Capítulo 20 - Harenae

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 — Sai daqui moleque, não tenho tempo a perder com você! — urrou o velho carroceiro barbudo e rabugento, me tocando para longe.

— Mas eu tenho dinheiro, só preciso que me leve até a cidade branca.

— Tem, é? Então me mostre o que tem aí nessa bolsinha — apontou o carroceiro para a minha bolsinha de moedas presa na cintura. Além dela, só estava com minhas roupas de corpo. Resolvi não levar nada da catedral, já que tinham sido bons demais comigo, seria muito aproveitador de minha parte levar algo a mais.

Peguei duas moedas da bolsinha das três que padre Frey me dera e mostrei a ele. O velho quase engasgou com sua própria avareza ao ver tanto dinheiro com um garoto. Ele até mesmo mudou "misteriosamente" seu tom de voz ao ver que eu tinha mais dinheiro do que ele imaginava.

— Oh, me desculpe por minhas palavras senhor, é que você sabe como são as pessoas de hoje em dia, não é mesmo? — falou o velho dando uma risadinha sem graça. Sua personalidade rabugenta tinha se esvaído, dando lugar a um homem divertido. Me enojava tanta hipocrisia por algumas míseras moedas.

Eu estava pronto para fechar negócio com ele, quando outro carroceiro que passava por nós, parou em frente e começou a nos fitar. Um homem negro, de aparência jovial e de uma careca lisa e brilhosa.

— Ei, garoto — chamou o carroceiro negro. Notei um sotaque diferente, como o de um estrangeiro. — Eu não pude deixar de ouvir sua conversa. Estou indo para a cidade branca. Te levo até lá por metade do preço que esse caloteiro te cobrar. Só peço em troca, que me ajude com os afazeres diários.

Sem nem pestanejar eu aceitei, dando a ele um arguis de prata. O outro carroceiro praguejava como um louco.

Subi em sua carroça, me deparando com duas crianças, também de pele escura. Uma menina de olhos incrivelmente azuis, que contrastavam com sua pele, e um garoto de olhos negros e cabelo raspado. Uma mulher, também de tez escura e olhos azuis, estava ao fundo. O carroceiro bateu as rédeas, deixando o velho rabugento praguejando no caminho. Já estávamos longe e ainda dava para escutar a algazarra.

Durante o dia todo de viagem, não conversamos muito. As crianças e a mulher, pareciam não saber falar a minha língua. Falavam em uma língua chamada de Haren. Havia estudado um pouco sobre ela em um dos livros na biblioteca de Yarram. A língua nativa do reino de Harenae. Um deserto enorme, onde a maioria dos nativos de lá, são de uma linda pele escura. Geralmente usavam turbantes e roupas largas para se protegerem do calor. Ao invés de nós do reino de Misalem com nossas espadas retas, usavam cimitarras e khopeshs; espadas curvas, capazes de degolar cabeças e dilacerar braços com muita facilidade. Os Haren estavam na minha lista de guerreiros em que devia evitar qualquer tipo de confronto.

Ao cair da noite, acampamos em uma clareira um pouco longe da estrada, já que era muito perigoso continuar a noite. Ladrões e assaltantes de carroças sempre ficavam à espreita por aquelas estradas. Como o combinado, ajudei a montar o acampamento, pegando lenha e acendendo a fogueira. A mulher cozinhava um guisado que cheirava muito bem. Eu não via a hora de terminar de dar água para os cavalos e me sentar à roda da fogueira para jantar com eles. Notei, olhando de soslaio, que o carroceiro Harenae se aproximava.

— Você me parece um bom garoto, estou feliz de ter dado carona a você — disse o carroceiro, com um ar simpático e seu sotaque puxado. — A propósito, não nos apresentamos ainda. Sou Bashkim, meu nome significa união, sou da tribo de Uzak.

Os Harenae têm como costume falar o significado de seus nomes e de qual tribo pertencem ao se apresentarem.

— Prazer, meu nome é Jack. — Fiz uma pequena pausa. — Apenas Jack... de Blackthorn. — Estendi a mão para cumprimentá-lo, mas ele não devolveu o aperto de mãos. Abaixei a mão meio sem jeito.

O Matador de Deuses - TenebrisWhere stories live. Discover now