Capítulo 16 - O despertar da escuridão

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Escuridão e silêncio

Ambos andam juntos, como um casal, em uma dança assíncrona e homogênea, um dando completude ao outro. Observe que, ao cair da noite, junto com a luz que se esvai, também vem a quietude. O canto dos pássaros se sessa, os animais se acolhem em seus ninhos e os homens em suas casas. Até mesmo as criaturas da noite respeitam o seu silêncio, a quietude incessante que vem com a escuridão. Assim também é o mundo dos mortos, tal mundo em que me encontrava.

Talvez, posso dizer que, assim como a escuridão e o silêncio andam juntos, a solidão e a morte também. Naquele mundo, podia sentir todas elas, mas nenhuma superava a solidão. A pior parte da morte, é cair no total esquecimento, e saber que tudo o que você já fez e já foi, não mais existe, tudo que lhe sobrara, fora apenas o abraço frio e ameno da solidão.

Em meio ao vazio profundo daquele mundo, pude ouvir o bater de meu coração, meu respirar e toda a vida que em mim habitava. Todos funcionando em perfeita harmonia, como se guiados por um caminho pré-estabelecido.

Tum. Tum. Tum.

Meu coração batia, assim como um tambor, em um ritmo perfeito, como se um percursionista tocasse seu instrumento sem errar um milésimo de segundo em sua batida.

Tum. Tum. Tum. Ping.

Algo soava diferente, não era meu coração, muito menos meu respirar. Gotas pingavam do teto; algo que seria impossível, já que naquele mundo não havia um teto. Cada vez mais, gotas caíam enchendo o lugar de água. As gotas aumentavam seu tamanho e velocidade se tornando em quedas d'água. Tal água densa e escura quase tapava meu pescoço. Ao sentir o gosto salgado, percebia que não se tratava de água e sim de sangue. Embora eu estivesse em um mundo coberto por escuridão, totalmente sozinho e em meio à um rio de sangue, eu não sentia medo. Talvez ao morrermos, deixamos para trás estes sentimentos fúteis.

Eu estava completamente submerso, cada vez mais afundando em meio à densa escuridão carmesim. Um sentimento de já ter vivenciado algo semelhante me vinha à tona, mas quando e onde? Uma sonolência me tomava cada vez mais, junto com um grande anelo de apenas descansar, apenas aquiescer àquela escuridão e continuar a imergir.

Acima de mim, uma luz. A mesma luz daquele sonho, esverdeada e tênue brilhava na superfície. Algo queimava em meu peito. O pingente brilhava novamente, assim como aquela luz. Ele me trazia à tona um sentimento de esperança, algo que me dava força e coragem para lutar. Seu calor, me despertava do sono que me levava rumo às trevas, me fazendo nadar em direção a luz.

Cada vez mais, a luz ganhava intensidade e o pingente incendiava em meu peito. A medida em que eu chegava mais perto, a intensidade da luz se tornava insuportável, e minha visão se ofuscava.

Quando finalmente a alcancei, pude ver um ser. A silhueta de um homem com as mãos estendidas para mim, mas seu corpo era vazio e feito da mesma luz esverdeada, como se ele fosse a própria luminescência. Em seu rosto, olhos grandes e esbugalhados, desprovidos de íris. Havia apenas um branco profundo e vazio em seus olhos. Seu sorriso amedrontador ia de orelha a orelha em sua face. Dentes brancos enormes e incrivelmente simétricos.

Apesar de amedrontador, eu não tinha medo do ser. Apenas peguei em sua mão e deixei que me puxasse para fora daquela escuridão. Ele sussurrou algo, mas não pude distinguir o que dizia. Sua voz me era familiar, como se eu já houvesse a ouvido muitas vezes.

Senti meu corpo sendo puxado para aquela luz, enquanto o ser me observava, mais e mais distante. Ele continuava a sussurrar palavras de um idioma antigo e há muito tempo esquecido. Mas pude entender uma palavra antes que a luz me sugasse por completo.

O Matador de Deuses - TenebrisWhere stories live. Discover now