Capítulo 5 - O sábio e o tolo

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A ansiedade tomou conta da minha mente, me fazendo ficar horas revirando em minha cama. Nara tinha me convidado para ir ao festival com ela, e eu não sabia muito bem como reagir a isso. Bem, na verdade, a princípio não era nada demais, afinal, eu a considerava como uma irmã. Mas algo estava me deixando mais nervoso do que deveria ficar.

Eu realmente precisava de algo para anuviar minha mente e ficar mais calmo. Então resolvi ler "O sábio", um livro que eu ganhara de minha mãe há alguns meses. A própria Duquesa dera o livro para ela como reconhecimento pelo ótimo serviço.

Comecei a folhear as páginas do livro. Mestre Lud me ensinara a ler o básico, mas grande parte do que aprendi, fora com aquele livro. Eu já o tinha lido várias vezes, mesmo assim, eu nunca me cansava de reler.

O Livro contava as aventuras de um velho sábio que viajava por vários mundos diferentes. Eu gostava muito de uma parte em que o sábio contava sua passagem por um mundo perfeito, onde a felicidade era eterna e duradoura, e questionava sobre como a felicidade eterna poderia ser ruim. Ele dizia que o motivo da felicidade ser algo tão especial e importante para nós, é o fato de ela só existir em raros momentos de nossas vidas, pois se fosse constante, nós nem mesmo a perceberíamos. Ele conta que o equilíbrio é a base de tudo, e que tanto o bem quanto o mal, são importantes para que o mundo seja, no mínimo, interessante de se viver.

Eu folheei e folheei novamente o livro, mas percebi que nem mesmo as estórias do sábio conseguiam me acalmar. Finalmente, o barulho da porta se abrindo me tomou a atenção. Minha mãe chegara em casa, meu alívio foi grande ao saber que pelo menos tendo alguém para conversar, eu poderia esquecer um pouco a ansiedade pelo festival.

Desci as escadas para recebê-la e, para minha surpresa, minha mãe não estava com uma feição muito boa. Ela trazia consigo uma sacola com alguns legumes, o que provavelmente seria nosso jantar. Eu a ajudei pegando a sacola, colocando-a em cima da mesa.

— Muito bem mocinho, vai me contar o que fez hoje ou vai esperar eu falar? — Sua feição séria dava a entender que realmente estava brava com algo.

— Contar o quê? — falei sem saber o porquê de ela estar assim.

— Não se faça de besta, Jack. Eu encontrei com o Olaf no caminho de casa e ele me contou o que você fez hoje. — Fiquei pasmo, eu realmente tinha me esquecido do que eu e Nara tínhamos feito mais cedo. — Jack, eu não posso acreditar que você pôde fazer uma coisa dessas. Se atrevendo a roubar, eu por acaso não te dei educação? Ele me falou que você estava com Nara. Desde que ela saiu de casa, vocês têm entrado em todo tipo de confusão. Já não basta a última vez em que vocês atearam fogo no celeiro do senhor Pilgrim?

Corriam boatos de que o velho tinha um caso com a mulher do curtidor de peles. Nara me fez ajudá-la a espioná-lo. Ela queria subornar o velho em troca de dinheiro. Mesmo discordando totalmente, ela me convencera a ir junto. Ao espionarmos pela janela do celeiro, escutei a mulher do curtidor gemendo e acidentalmente esbarrei em uma lamparina que explodiu, jogando óleo quente e brasas na palha seca. Saímos em disparada assim que o incêndio começara. Confesso que foi bem engraçado ver o velho saindo do celeiro com as calças arriadas, gritando "fogo", em desespero. Infelizmente, alguns vizinhos nos viram e nos delataram. Aquilo me colocou em uma confusão enorme. O velho só não me fez pagar pelo prejuízo, porque Nara o subornou, dizendo que se fizesse algo a mim, ela contaria sobre o seu caso.

— Mas mãe... — Tentei explicar, mas dessa vez não tinha jeito de defendê-la. Como se não pudesse piorar ainda mais, minha mãe finalmente percebeu o roxo em meu olho esquerdo.

— Filho... O que aconteceu com seu olho? — ela me perguntou, deixando sua expressão zangada de lado, para uma expressão de preocupação.

— Não foi nada mãe, eu apenas caí... — Mentir para ela não me parecia algo bom de se fazer, mas eu realmente não queria me colocar em uma situação pior da qual eu já me encontrava.

— Caiu? Não minta para mim, você se meteu em outra briga, não é? Oh Jack, você sabe que me preocupo com você, mas não posso estar perto de você o dia todo. Como posso ficar tranquila sabendo que você pode estar se metendo em alguma briga ou roubando maçãs pela cidade? Jack... Por favor, me prometa que vai parar de andar com aquela garota problemática. — Ela falava olhando em meus olhos, com uma mistura de um tom repreensivo e de preocupação.

— Me desculpe mãe, mas eu não posso simplesmente parar de falar com a Nara. A senhora sabe que eu a tenho como uma irmã. Por mais que ela tenha seus defeitos, ela faz parte da família, não me peça para deixá-la sozinha.

— Jack, eu também gosto muito da Nara, tenho ela como uma filha, mas eu me preocupo com você e não quero que aconteça algo pior, então por isso, filho eu não quero mais que fique perto dela — respondeu minha mãe.

Ela estava realmente brava com o que acontecera mais cedo, mas seu tom de voz era consolador. Eu entendia sua preocupação, mas ainda assim, não podia aceitar o que ela pedia.

— A senhora diz que a vê como uma filha, mas pede para que eu me afaste dela. Como pode querer isso para uma filha? — retruquei de forma ríspida.

Ela ficou em silêncio, sem saber o que falar, então finalmente respondeu:

— Filho, o que seu pai diria se visse você se metendo em brigas, roubando e ateando fogo em celeiros? Se ele estivesse aqui, tenho certeza que também diria a mesma coisa sobre a Nara

— Não se atreva a falar daquele homem! — Por um momento me descontrolei e fui tomando por uma grande fúria. — Se existe uma pessoa que não teria o direito de falar qualquer coisa sobre mim é ele. Afinal, se aquele homem fosse bom, ele não teria deixado de lado seu título de cavaleiro e sua honra para fazer o que fez. Ele não teria morrido como um bandido e não precisaríamos fugir e nos esconder nesse buraco de vilarejo.

— Jack... — Minha mãe tentou me consolar. Ela colocou a mão em meu ombro, mas a tirei em um tapa.

Retirei meu pingente sujo e já sem o cordão do bolso, e o joguei em cima da mesa.

— Isso era dele — falei.

Furioso, subi até meu quarto e fechei a porta.

Mas antes de fechá-la, olhei para trás e percebi que minha mãe chorava.

Naquela época eu não sabia, mas eu me arrependeria daquela noite pelo restante da minha vida. Naquela noite, ao contrário do livro, eu não era o sábio, e sim, o tolo.

O Matador de Deuses - TenebrisWhere stories live. Discover now