Capítulo 6 - O orgulho do louco

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Ano de 1720, Inverno. Província norte da Cidade Imperial.

— Eu estou dizendo, é melhor que o deixemos aqui, devemos aproveitar que está desacordado para nos livrarmos dele. Se continuarmos seguindo as ordens desse maluco, seremos homens mortos.

— Não vou deixar que execute nosso comandante, na verdade eu deveria mandar executar o senhor por propor um absurdo desses, Sir Lorenk.

O barulho da carroça, o cheio podre e a voz irritante do Lorenk. Parece que ainda estou vivo. Infelizmente, ainda no mesmo mundo fétido e fadado à escuridão. Olhos abertos ou fechados não fazem diferença aqui.

Me vi deitado sobre uma carroça e olhando para o céu, embora não houvesse nada lá. Confesso que sinto saudade da lua e das estrelas. Me levantei com um pouco de dificuldade e me sentei, recostando no fundo da carroça. Sir Lorenk e Sir Erwin pararam de discutir na mesma hora, quando me viram acordado. Lorenk parecia assustado, devia estar com medo de que eu tivesse escutado seu mirabolante plano de me abandonar para as feras.

— Senhor, é bom vê-lo são novamente — disse Erwin.

— Sir Lorenk! — gritei. Lorenk, ao ouvir seu nome, estremeceu. — Mande todos pararem, não moveremos até que eu esteja a par de nossa situação.

— S-Sim senhor — respondeu Lorenk, saindo correndo e dando ordens para que todos parassem de andar.

Senti a carroça parando. Ao contrário das carroças convencionais, essa não era puxada por cavalos, e sim por dois soldados. Não me entenda mal, não sou tão louco assim, mas em um mundo com escassez de comida até para nós humanos, quem dirá sobrasse algo para os cavalos. Já faz muito tempo em que não nasce mais uma grama sequer para cavalos pastarem e, por causa da fome, os que ainda se mantinham vivos, eram sacrificados para alimentar as bocas humanas famintas por carne.

Ao descer da carroça, percebi que meu ombro esquerdo doía muito. Uma atadura, já vermelha de sangue estava sobre ele.

— Então, qual a situação Erwin? Não omita nada — falei, fitando-o.

— Depois que o senhor matou todas as feras e desmaiou, nós recuamos de volta para a cidade. Parece que não sobrou mais nenhuma desse lado da província. Tivemos que tratar seu ombro com o que tínhamos, mas precisamos chegar logo à cidade para cuidar desse ferimento antes que infeccione. — Erwin falava de um jeito afoito, como se estivesse assustado. Algo diferente de seu normal.

— Erwin, você disse que eu matei todas as feras? — perguntei, franzindo o cenho.

— O senhor não se lembra? — disse Erwin, com um ar um pouco confuso.

— Eu só me lembro de... — Olhei em meu bolso, assustado e procurando pelo conteúdo da caixa. — Onde está? — Puxei Erwin pela camisa, olhando em seus olhos.

— A caixa de joias? Está na carroça, juntamente com seus outros pertences — apontou Erwin para a carroça. Larguei-o e fui até lá verificar, e lá estava a caixa, totalmente intacta. Eu a abri, e dessa vez nada acontecera. Nenhuma luz, nem vozes. Apenas um pingente, cor de esmeralda. Eu o tirei da caixa e coloquei em meu pescoço.

— Erwin, conte-me tudo que ocorreu após eu ter acendido o círculo de fogo — falei, enquanto olhava o pingente.

— Depois que o fogo enfraqueceu as feras, nós estávamos ganhando a batalha. Mas a chuva veio e começou a apagar o fogo. Elas então... — Erwin engoliu em seco. — Começaram a estraçalhar a todos os homens, com mais fúria do que antes. Até que o senhor apareceu. Naquele momento eu senti como se uma fúria, maior ainda do que a daqueles monstros, houvesse despertado. Era uma aura sinistra, me lembro de ter ficado paralisado, como nunca antes fiquei em uma batalha. Em meio ao desespero e gritos da batalha, o senhor estava lá, estraçalhando uma por uma. Não parecia humano, seus olhos brilhavam com um verde tenebroso e seu sorriso... — Erwin cerrou o punho, tremendo. — O senhor sorria, dava gargalhadas enquanto estraçalhava uma por uma. Eu o vi partir várias delas ao meio apenas com as mãos. Quando tudo acabou, então veio até nós. Nós recuamos assustados, mas o senhor vinha andando em nossa direção, todo ensanguentado e sorrindo. Chegou perto o bastante para estender a mão e tocar em minha testa, e depois disso, simplesmente desmaiou. Caiu de cara naquela lama com sangue e vísceras. Bom... Foi isso.

O Matador de Deuses - TenebrisWhere stories live. Discover now