Capítulo 22 - Os túneis

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Ano de 1720, Inverno. Montanhas nevadas.

Muitos dizem que a descida é sempre mais fácil que a subida. Eu digo que não estão errados, mas naquele caso, não se aplicava tão bem. Não quando você precisa descer uma montanha que acabou de desabar, sem nenhuma luz para te auxiliar, contando com nada menos do que a sua própria intuição. Em meio a tanta dificuldade, o frio se tornou apenas um detalhe. Já estávamos há tanto tempo naquela nevasca, que nem mesmo podia sentir mais meus braços e pernas. Mesmo assim, isso ainda continuava sendo nada mais do que apenas um mero detalhe.

Antes de subirmos as montanhas, mandei que alguns homens tecessem cordas, usando de algumas fibras de arbustos próximos que encontramos no caminho. A região outrora fora bem rica em sua flora. Por sorte, ainda havia arbustos restantes que resistiram até mesmo ao frio e à escuridão. As fibras, lembravam um pouco os cipós dos pântanos. Resistentes e boas para amarração, e era exatamente o que eu precisava.

Apertei uma daquelas cordas em minha cintura e mandei que todos se amarrassem uns aos outros, fazendo assim, com que todos nós ficássemos presos à mesma corda. Se não fosse pela escuridão e alguém nos visse, seria uma visão cômica. Um grupo de homens andando amarrados por uma corda no meio do nada. Mas isso pouco importava, para mim, a sobrevivência vinha em primeiro lugar.

Nossas tochas tinham se apagado, e não havia meios de acendê-las com tanta neve caindo. Não podíamos ficar no topo da montanha esperando que ela passasse. Não havia proteção do vento, e quanto mais alto, mais frio. Nossa única opção era descer, mas um grupo repleto de homens praticamente cegos e exaustos, não chegaria inteiro até o pé da montanha. Provavelmente, muitos cairiam em fendas, ou se perderiam uns dos outros. Por isso a corda, assim não correríamos riscos desnecessários.

Às vezes me pergunto como podiam confiar tanto assim em mim. Afinal, sou conhecido como louco por muitos. Como sabiam que eu não os levaria para um buraco?

A descida foi difícil, meus pés já doloridos tinham que fazer um esforço em dobro para que eu não perdesse o equilíbrio e rolasse montanha abaixo. Se isso acontecesse, eu levaria o grupo todo. Na verdade, um dos nossos chegou a cair no meio do caminho, quase desequilibrando todos. Por sorte, tínhamos uma muralha no final da fila, chamado Sir Greggory.

A descida podia até ser difícil, mas não foi lenta. Descer sempre é mais rápido que subir. Não durou muito até chegarmos ao pé da montanha. No caminho encontramos alguns homens que conseguiram escapar da avalanche. Estavam machucados e imploravam para que eu os levasse junto. Eu tive o prazer de afundar minha espada no pescoço de cada um deles. Idiotas, achavam mesmo que eu os perdoaria. Alguns outros, eu pude escutar ao longe, mas era desperdício correr atrás de moribundos na escuridão.

Enfim, a caminhada estava chegando ao final, quando avistei a fina e tênue luz de tochas no horizonte. Eu não sabia se estava no caminho certo, como eu disse, eu segui a minha intuição, e ela se provou certa mais uma vez. Se não fosse a escuridão, veria rostos aliviados naqueles homens ao avistarem a luz.

— Alto lá, quem são vocês? — bradou um dos guardas que segurava a tocha que avistamos ao longe. O outro ficou mais atrás, guardando a porta da entrada dos túneis. Senti um alívio ao ver que eu havia nos guiado para o lugar certo.

Ah sim, o que são os tuneis? Essa seria a pergunta a se fazer. Bom, eu disse que a humanidade tinha se escondido em cavernas para fugir dos monstros e da escuridão. Eu não estava brincando quanto a isso. Os túneis são um complexo de subterrâneos onde a humanidade se escondera. Um detalhe incrível da humanidade, é que conseguimos não só nos adaptar, como adaptar o ambiente à nossa volta para que possamos viver bem. Eu diria que os túneis eram um grande exemplo dessa adaptação.

— Sir Jack — respondi, chegando mais perto do guarda. — Solicito entrada para os túneis. Tenho homens cansados, famintos e machucados. Precisamos urgentemente de permissão para entrarmos.

O guarda deu sinal para o outro mais atrás, que entrou correndo pela porta e a trancou. Ele então elevou a tocha, iluminando o restante dos meus homens, mostrando que eu falava sério ao dizer que estavam machucados e cansados. Seu olhar então se voltou para mim.

— Aguarde um momento. Se tentar alguma coisa, serão homens mortos.

Olhei em volta e percebi entre as rochas, pequenas aberturas, grande o bastante para a visão de arqueiros e para flechas. Com certeza havia pelo menos uma dezena de arqueiros apontados para nós naquele momento. Daquela vez eu não usei sarcasmo, apenas acenei com a cabeça e esperei.

Alguns minutos se passaram, até que um homem saiu pela pesada porta de ferro maciço. A luz bruxuleante das tochas impedia que eu pudesse ver o seu rosto. Ele então veio até mim, em passos lentos. Maldito, se ele soubesse o quanto as minhas pernas doíam, teria mais pressa.

O homem ficou de frente a mim. Seu olhar encarou o meu, emanando uma tensão naquele lugar. Pude sentir o quão tenso meus homens estavam também. Não é por menos, se eu começasse mais uma briga, eles não teriam como lutar, afinal, estávamos todos amarrados por uma corda e fadigados.

Ele finalmente estendeu sua mão, soltando um largo sorriso por entre sua barba ruiva e longa. Eu apertei a sua mão de volta e ele me abraçou, quando eu finalmente me lembrei. Como eu pudera esquecer?

— Há quanto tempo, Jack — disse Altair, me dando um abraço de urso tão forte que eu mal conseguia respirar. Senti minhas costas estalarem, quando ele finalmente me soltou e colocou as mãos sobre meus ombros. — Eu mal posso acreditar que você está vivo.

— Eu posso dizer o mesmo sobre você, Altair. — Meneei com a cabeça. — Mas teremos bastante tempo para conversar mais tarde, primeiro preciso que nos deixe entrar, ou vamos morrer de frio aqui.

— Hahaha, direto como sempre, Jack. — Altair se virou para o guarda da porta e deu sinal para que abrisse novamente. — Vamos, tirem essa corda e entrem, são bem-vindos em nossa cidade.

O Matador de Deuses - TenebrisWhere stories live. Discover now