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   O barulhinho do bip me acordou. Tentei abrir os olhos, mas a claridade me impediu. 
   Lembrei do caminhão enorme me jogando para fora da pista.

Ah, não!

  A primeira coisa que percebi de diferente no meu corpo é de não sentir minhas pernas. Isso não pode ter acontecido comigo! E minha prova? Meu casamento? Minha faculdade?! Não. Ás lágrimas começaram a rolar.

— Joabe? — Uma voz bastante grave me desperta. — Vejo que já descobriu seu problema.

— Não há mais solução, certo? — Eu temia a resposta.

— Só um milagre. Deseja ver sua família ou digerir isso tudo? Sei que não está sendo fácil para você. Vai viver muitos conflitos internos. — Disse compassivo.

— Nessa sala só quero que entre meu irmão, minha mãe e minha noiva. — Exigi e ele concordou. — Quantos dias fiquei desacordado? 

— Uma semana. — Responde de imediato.

— Previsão de alta? Muitas sequelas a não ser...

— Daqui a alguns dias quando seus pais encontrarem uma clínica de reabilitação. Eles irão te contar o que pretendem e garanto que vai amar os fisioterapeutas de lá. Algumas partes do seu corpo estão machucadas, mas nada que impeça de sair daqui imediatamente. 

— Fisioterapeuta. — murmurei, fechando os olhos.

— Não desista de ser um. Você tem potencial. — disse calmo.

— Potencial? — rio ironicamente. — Desconheço essa palavra.

— Significa: capacidade de desenvolvimento. — disse sem humor.

— Não seja ridículo. — limpei minhas lágrimas.

— E não seja burro em deixar de sonhar. Esse não é o seu fim, rapaz. Vou chamar sua mãe. — dá as costas.

  Como era difícil digerir tudo aquilo. Era algo tão novo e profundamente angustiante. Preferia ter morrido do que viver sem sentir uma parte de mim. Tentei me concentrar em mexê-las. Que sacrifício de tolo!

— Filho? — sua voz carregavam lágrimas presas e um olhar de pena. Odeio que me olhem com pena!

— Por favor, não chore. Já me odeio profundamente e não faça me odiar mais ainda. — disse. Ela concorda e caminha devagar em minha direção, sentando-se na maca. — Horrível. Sei que quer saber como me sinto. Onde está Natalie?

— Faculdade. — sua voz era quase inaudível. — Disse que assim que você acordasse era para ligar.

— Não faça isso. Deixe-a estudar. — digo de imediato. — Como foi a semana dela?

— Não andou se alimentando muito bem, mas conseguimos fazer com que a mesma comesse direito. Porém o semblante abatido é... Notório. Passou essa semana dormindo em seu quarto, pois não aguentava mais dormir sozinha.

Sorri por dentro.

— E a senhora?

— O que acha meu filho? Não sou como seu pai e você sabe muito bem disso. — alisa meu rosto com o polegar.

— Ele conseguiu o que queria e eu o odeio profundamente.

— Não diga isso, J. — pede chorosa.

— Quero ver meu irmão. E não o deixe entrar nesse quarto, senão retiro todos esses fio de mim e me permito morrer.  Assim nunca terá meu perdão e certamente sua caminhada aqui na terra será em vão. — meus olhos carregavam a ira. As lágrimas rolam na face de minha mãe que concorda e sai.

  Jônatas entra naquele quarto com um sorriso no rosto. Como assim? Ele também queria que isso acontecesse?!

— Nenhum de nós nascemos com jeito para ser super herói. — parece perceber meu desconforto. — Nossos sonhos, a gente é quem constrói. Vencendo os limites, escalando as fortalezas e conquistando o impossível pela FÉ.

  Rapidamente me lembro do hino. Parece que só naquele momento aquela letra fez efeito. Tem coisas que são necessárias viver.

— Essas palavras não vão ficar guardadas por muito tempo. — as lágrimas voltaram a rolar.

— J, com pernas ou sem pernas você continua sendo capaz. Eu acredito em você e não digo isso por pena, pois sabe até onde minha sinceridade é capaz de chegar. — disse firme.

— Palavras tem poder, Jonny. — o mesmo limpava minhas lágrimas. — Eu já não dava orgulho a ele. Imagine agora.

— Irmão, esquece quem não acredita na sua capacidade. Já conversamos sobre isso. Tem tantas pessoas a sua volta que acreditam no seu potencial. Meu pai ainda vai lhe pedir perdão por tudo que aconteceu, então esquece! Foca na sua recuperação.

— O médico disse que só um milagre. — murmurei.

— Porque o MÉDICO dos médicos avisou isso a ele. E quando esse HOMEM apenas tocar nessas pernas... Nem quero contar o resto, pois é surpresa. VIVERÁS pra ver. Posso cantar um hino? E errou se pensou que é antigo. — disse com a ar de riso. Eu concordei.

— ¹Não é hora de você parar
Não é tempo de ficar chorando
Não é hora de se entregar
Não é tempo de ficar prostrado
Promessas e milagres irão acontecer no tempo certo
Deus está cuidando de tudo

Vamos lá, tudo bem, eu entendo seus questionamentos
Está doendo, está sofrendo, mas escute o que eu vou dizer
Deus não dá pra gente prova maior do que possamos suportar

Teu amanhã, será melhor que hoje
Teu amanhã, será melhor que hoje
Teu amanhã, será melhor que hoje

Viverás pra ver, o que Deus irá fazer
Teu amanhã, será melhor que hoje

  Aquele hino mexeu bastante com minhas estruturas. Admiro a fé do meu irmão, mas nesse momento, tudo que quero é ficar sozinho em meu mundo.

— Obrigado, Jonny. Não quero que Natalie me veja nesse estado.

— Como assim? Não pode cometer este absurdo com a mesma depois de tantas noites mal dormidas, pensando em você. — disse inconformado.

— Acha que ela vai amar um homem impossibilitado de andar? Que futuro darei a minha garota? Que família darei a ela sendo que terei que viver arrastando uma cadeira idiota?!

  Jonny suspira, contendo a paciência.

— Vou deixar que vocês conversam assim que a mesma chegar da faculdade, mas faça-me o favor de não machucá-la. — disse seriamente.

Não posso prometer nada.


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¹ Teu amanhã será melhor que hoje - Samuel Messias.

"Pois o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido". 
Lucas 19:10

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O INCAPAZ - História de Joabe e NatalieWhere stories live. Discover now