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— Natalie sua formatura é amanhã e você me parece tão plena, querida. — minha mãe comenta, enquanto jantamos.

— Por fora, porque por dentro estou desesperada. É algo muito novo para mim e já consegui um emprego na clínica em que meu amor faz a reabilitação. — explica animada.

— Fazia. — disse seco. Todos me olham, espantados.

— O que disse? — meu pai reage rispidamente.

— Exatamente o que o senhor ouviu. — respondi no mesmo tom.

— Meu bem, você não perdeu as suas pernas, apenas o movimento! As sessões de fisioterapia vão te ajudar a recuperar. — Natalie segura minha mão.

— Já disse que eu não quero continuar fazendo essa porcaria! Não há motivo de continuar insistindo no que não tem jeito, Naty! Acredite. Por mais que eu esteja odiando minha nova vida, já estou acostumado com a incapacidade.

— Ah, faça-me o favor. — ele bufa, irritado.

— Querido, calma...

— Calma?! Estou gastando uma fortuna com essa clínica e ele simplesmente diz que não quer fazer mais?! Eu sou o quê? Palhaço? Tivemos que mudar de cidade, de casa, de vida e você simplesmente determina essa baboseira? Só pode ser uma brincadeira.

— Eu não me importo com a sua preocupação medíocre e barata! — falei. — Não estou pedindo para o senhor gastar uma fortuna em uma clínica que não vai me trazer de volta a minha capacidade.

— Poupe-me de suas queixas, Joabe! Estou cansado desse negócio de capacidade, de incapacidade ou sei lá mais o quê! Chegou a hora de você crescer mentalmente. Para de ficar se vitimizando com esse discurso idiota!

— É idiota, porque não é você que está na minha pele. É idiota, porque foi você quem provocou a merda desse acidente, se você não tivesse dito aquelas palavras eu teria enxergado aquele maldito caminhão! Eu queria ficar morando com a mulher da minha vida, mas você quis dar uma de pai preocupado. Um ótimo ator por sinal! — alterei a voz.

— Eu não vou discutir com você. — ele levanta e se retira.

— Ótimo! Nem eu. — gritei, fazendo mais uma manobra com a cadeira e empurrando até meu quarto.

— Vida, eu...

— Naty, por favor, me deixe sozinho. — disse calmo.

— Mas...

— Por favor, não quero conversar.

  Ao ouvir o barulho da porta se fechar, não chorei. Apenas fiz um esforço para deitar na cama e fechei os olhos. Eu estava em uma luta interna, controlando a raiva. Ela está aqui. Preciso me controlar.

  Mais tarde ouço a porta se abrir, fechei os olhos rapidamente e controlei minha respiração pesada.
  Segundos demorados se passam e sinto uma mão fazer carinho em meus cabelos.
  Gosto desse efeito que a mesma causa sobre mim, todavia tudo indica que serei sua maior decepção.

Eu não vou desistir da gente. — ouço a mesma sussurrar.

  Pela manhã não a encontrei na cama. Ouvi algumas vozes vindo da sala e reconheci. A mãe e o pai dela estão presentes. Agora tenho que disfarçar todo meu mau humor.
 
  Fiz minha higiene matinal. Tive dificuldades para sentar na cadeira de banho; minha mãe sempre faz isso por mim, porém hoje está muito ocupada para não se lembrar.

— Ah, me desculpe. — leva as mãos até o rosto.

— Pode olhar. Só estou com um pouco de dificuldade para vestir a calça. — expliquei.

— Quer ajuda?

— Se puder... — dei os ombros. Ela se aproxima calada e me ajuda a vestir aquela bendita calça.  — Seus pais estão aí, certo?

— Sim, eles vieram cedo. Vou passar o dia inteiro no salão e no finalzinho da tarde irei passar na loja para pegar meu vestido.

— Tudo bem. Vou tomar meu café para ir trabalhar. — disse.

— Tá... Vou me arrumar.

  Concordei, empurrando a cadeira em direção a porta. Seus pais param de conversar e me olham surpresos.

— Meu genro querido, quanto tempo!  — ele e sua esposa vem ao meu encontro. Abri um sorriso forçado.

— Olá!

  Meu pai virou o rosto e continuou a tomando seu café.

— Trouxemos um presente para você. — minha sogra entrega uma caixa.

— Muito obrigado pela gentileza. Natalie não me falou que vocês viriam agora, senão teria comprado uma lembrança, também.

— Imagina! Nós estamos muito contentes por ter abrigado minha filha em sua casa enquanto as coisas do apartamento não se encontram prontas. — ela se abaixa e aperta minha mão. — Deus nos presenteou com um genro maravilhoso.

— É... Obrigado pela gentileza, mas agora tenho que correr para trabalhar senão perco a formatura.

  Coloquei a caixa em cima da mesa de centro e empurrei a cadeira até a cozinha. Eles vieram atrás de mim.

— Bom dia mãe. — cumprimentei-a.

— Bom dia meu bem. — deposita um beijo em minha testa. — Seu patrão acabou de me ligar dizendo que mandaria o motorista da empresa vir lhe buscar.

— Não sabia que a empresa tinha motorista particular. — franzi o cenho.

  Com certeza isso foi armação de meu pai para não me levar. Melhor assim.

— Nem eu. Preparei um cafezinho com os pãezinhos que você adora e também uma marmitinha especial. Sei que você almoça lá, porém... — procura palavras.

— Mãe, não tem problema. Muito obrigado e não serei o único a levar marmita.

  Minutos depois o motorista veio me buscar. Não gostava de ficar com esse clima pesado entre mim e Natalie. Mas tenho que confessar que sou orgulhoso. Preciso de ajuda.

— Aflito? — Patrick senta na cadeira a minha frente.

— Um pouco. Ontem tive uma pequena discussão com meu pai, pelo simples fato de dizer que não faria mais as sessões de fisioterapia. Jogou na minha cara que pagava uma fortuna para que eu tivesse uma recuperação mais rápida, porém... Não adianta. Não me sinto bem fazendo aquilo.

  Eu gostava de desabafar com Patrick. Ele é um patrão muito prestativo e aparece nas minhas piores horas para me dar uma palavra sábia.

— Entendo. Seu pai é um homem que, acima de tudo, coloca suas teses em primeiro lugar e acredita que todos devam seguir. É óbvio que está errado você não querer participar mais dessas sessões, a final se quer ser curado precisa praticar. Joabe, lembre-se que você não perdeu suas pernas, apenas os movimentos...

— Minha noiva disse a mesma coisa. — interrompi. — Eu sei, mas já me acostumei com essa dificuldade. Não que eu goste de depender da ajuda das pessoas, mas todos estão na mesma situação que eu e não vejo ninguém ser curado!

— Todos terão seu momento. Você não pode focar no tempo do próximo. Precisa focar no seu. Deixa de colocar os comentários de seu pai em cima da sua capacidade. Declare sua capacidade ainda que não sinta que seja.

— Estaria eu me iludindo. — disse indignado.

— Gosto daquela passagem do apóstolo Paulo, onde ele descreve: "1porque quando eu estou fraco, então, sou forte." Ele estava se sentindo fraco demais, mas ele determinou pela fé. Não é hipocrisia. É esperar naquilo que não pode ver. ²Quando você não acredita nas declarações de Deus, você não terá como usufruir do que Deus tem preparado a seu respeito.


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“Sem fé é impossível
agradar a Deus.”
Hebreus 11:6

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2 Coríntios 12:10
² Em Cristo sou Capaz. Autor: Márcio Braga 💕

O INCAPAZ - História de Joabe e NatalieWhere stories live. Discover now