E Dioníso assume seu trono no Olimpo

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Pareceu-me tão terrivelmente engraçado à época.

Tudo, tudo motivo para a mais ruidosa das risadas, o mundo uma piada rodopiando a minha volta e eu, eu era Deus, deus da graça e do absurdo. Minhas mãos tinham um cheiro constante de grama molhada e néctar de frutas. Desaprendi a comer, perdi toda a pose e etiqueta e esqueci da existência de talheres que minha mãe tentou com tanta ferocidade forçar sobre mim. Comia como um animal, corcunda selvagem sobre frutas e doces, nunca uma refeição de verdade, meus dedos de unhas longas e quebradas se estendendo como aranhas mágicas sobre aqueles símbolos do pecado e seus sucos doces e pegajosos escorrendo-me pelos lábios, pintando-os em tons femininos e brilhantes como gloss; sabor limão, sabor morango, sabor pêssego, e minhas mãos completamente cobertas, como uma luva transparente, as gotas gordas escorrendo para dentro de minhas mangas. Que nojo, que nojo meu senhor, a morte da civilização em minha insânia, e eu era inteiro animal irracional, pingando com suor e suco, mas! mas céus, a qualidade inerentemente sexual daquilo que nos inspira a aversão! A qualidade inerentemente sexual do lugar, físico em mental, em que se esquece o mais básico dos temas, em que se abraça a perdição, a qualidade inerentemente sexual do lugar em que o desejo impera, puro e nu, o lugar da natureza desimpedida.

Todas as cortinas pesadas, veludo bordado, todas fechadas e a luz do sol perdida na terra da memória! A única luz aceitável? O incandescente carmim, a manhã através do tecido, os abajures sob vestidos esquecidos, os raios dos lustres por entre a epiderme de um estranho. Nas paredes, natureza morta, os negros, marrons, a podridão! Somos todos podres, meu deus, corpos corrompidos inteiramente além da redenção, não haveria missa ou água de reza que poderia nos limpar das cicatrizes daquela descida. Não conhecíamos mais tal coisa, o mundo era nosso, a podridão toda nossa, os sentidos todos nossos, transbordando, os perfumes e incensos e as cores e luzes e a música e os gritos e nossos pés descalços sobre a madeira e a terra e nossas peles nuas uma sobre a outra e nossas línguas superlotadas com chocolates e cerejas e as línguas alheias.

Tudo era tão engraçado! O sangue, meu deus, que piada enorme é a fraqueza da pele humana, a morte, meu deus, que piada enorme é o ciclo da cruel natureza! E beberemos mais! Deixaremos o licor ultrapassar nossas bocas e manchar o tapete. Que piada! Que piada, nossa perda da razão, que piada são essas luzes, que piada são seus cabelos entre meus dedos e a maior piada é o modo como beberei mais e dividiremos esse copo, meu vinho na tua língua e teu vinho em minhas saias e o cálice quebrado no chão e teu pé sangrando com o mesmo escarlate e mais vinho em minhas mãos das minhas mãos para teus lábios e dos teus lábios para tua garganta e meus lábios na tua garganta e mais vinho rolando pelo chão, manchando o tapete, o mundo é inteiro vinho, tudo é vinho! Tales de Mileto, me escute, tudo é vinho!

E quando vomitarmos, isto será ainda mais engraçado, que piada é nossa insânia, que risadas riremos do nosso estado patético; somos crianças rastejando, e não o tipo inocente de infante, e ao mesmo tempo, somos donos de toda a inocência do mundo! Não há desejo mais inocente do que a vontade de prazer, e nosso olhos são brilhantes, enevoados, inocentes com o brilho de estrelas cadentes. Não sabemos de nada, não conhecemos virtude e pecado. Entenda! Entenda que somos inocentes e não temos culpa de nada. Não levante sua volta, somos inocentes, inocentes, desconhecemos tal coisa como culpa.

O mundo cospe néctar, o mundo cospe licor, o mundo cospe fumo. O universo está a nosso favor, a corrente quieta e nós barulhentos, a natureza é nossa mãe e nossa morte e nós caminharemos em paz, caminharemos com pés suaves em sua direção! Que piada, que piada é a morte, e eu a abraçarei gritando com gargalhadas!

E o que mais me diverte, a maior piada de todas, é o conceito de consequência, meu deus, meu deus, genuinamente achas que me importa o resultado de cada ação, que me importa a morte, que me interessa o vômito, que me importa quando caio de quatro no chão, que me importa o fedor de terra e suor e sangue e de frutas se deteriorando embaixo do sofá, embaixo dos tapetes, embaixo dos lençóis? Que me importa os joelhos ralados e os pés machucados porque perdi meus sapatos no fundo do bosque no início da noite e a duração desta noite já equivale a milênios?

Meu deus, meu deus, como rio, vou morrer de tanto rir, vou me engasgar no próprio riso, alguém me arranque essa gargalhada antes que eu

chá e rendaWhere stories live. Discover now