minha suavidade IV

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Estou pensando em fazer um delicado transplante e colocar parte desse poema em outro poema; meu pai — oi, pai, se estiver lendo — disse que gostava da simplicidade inicial dele porque espelhava a suavidade que descreve, e, honestamente, eu concordo. Caso pareça que sim, fique claro que não, não tenho a menor ideia do que estou fazendo.

é a misteriosa ida e vinda do mar
sob dedos frios de luar
e a própria lua, essa criatura nua
amante dos meus pecados

o canto doce de manhãs
a queda outonal de maçãs
e o invisível coral de pássaros,
puxando o sol de seu leito:

conheça, sol recém nascido
as bucólicas paisagens
elas são seu ventre e sua prole
seu amor, sua morte

é a paixão pura no berço de pã
a poesia branda tecida em lã,
linho e algodão
desenrolando-se sobre os pastos

o brilho borrado de luz sobre a água
o tilintar de rios, o riso de uma fada
essa qualidade tenra do fim da tarde
que dança para longe sem alarde

é a melancolia da juventude
que faz da inocente boca infantil rude
que transforma dias em noites
e o mundo em memória

o pudor desconhecido da infância
o prazer autêntico da deselegância
de beber do álcool da liberdade
pés descalços contra terra infinita

é o néctar de frutas pingando
melífluo sobre lábios brilhando
um sabor doce de verão
de nostalgia sazonal

a floresta ao nascer do sol
ainda sob o noturno lençol
de orvalho
e mistério

Penso que mesmo o mais alheio corpo
Quando despido em curvas brandas
Conheça o planeta ventre
Desse jardim de flores brancas

Pois quando tu, luz, cantas
E derrama alabastrina sobre tais formas francas
São minhas verdades suaves que suspiras
E no expirar transforma em mantras

Nas preces mudas do pecado virtuoso
Sementes latentes sob a água da nudez
E da impudica solidão
Faz-se primavera

Tendo nadado em minhas ondas,
Nas correntes cristalinas de tua
própria pele nua
Celebrou os festivais enevoados dos
Santuários da suavidade;
Esses carnavais-bacanais de silêncio
Dentre a vida irredutível
De meus cintilantes pomares
E conhece a onírica serenidade
Que tais encantos tomam por lares

E essas minhas apolíneas virtudes
Pérolas líquidas de gentis mares
— gentis, mas ainda casa de metamorfoses lunares—
Celebradas em privada multidão
Tomam formas distintas em sua celebração:

Róseas musas hodiernas e alvas deusas extintas
O gélido mármore antigo e cálidas mãos macias
A corrida despropositada de ninfas,
Espíritos indomados, miragens de pés descalços
Nadando velozes por primaveris linfas
A puridade elisiana de um selvagem nirvana
Tingido nos mais brandos tons de dourado
A languidez felina de um Éden perfeito e cru,
Da moral modéstia e do impudico ser nu
A luz repentina da verdade; de relâmpagos
Mãe de olhos e então tecelã de vendas
Irmã da transparência que adorna nossos âmagos

O que conhece em visita à terra de Apolo-Morfeu
Lacustr'onírica casa da indomada candura,
Divin'humana pátria da verdade pura
É a suavidade que define esse particular Eu,
Não a suavidade do espírito humano,
Quente e fácil e leviano,
Mas sua versão transcendental,
D'um plano de deuses e anjos e
Do selvagem oceano
Uma beleza incompreensível
Algo cintilante e intangível

excêntrica de sonhos; uma inumana e insana suavidade; quieta e ensurdecedora; luminosa de fantasias — luzes delicadas, frias; a indiferença de imortais;

você tem orgulho de sua alma morar tão longe daqui?

sim.

chá e rendaWhere stories live. Discover now