Natureza Morta

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É a tua mão que junta o sangue à manteiga
Envolta no couro gasto da herança castanha
Por vezes sonho com tuas luvas; vejo surgir
Um fantasma perolado à janela, barba branca
E descalço, me perguntando sobre o amor

Esqueci das torradas
As deixei queimar
Há perdão na faca que raspa o negro do lado direito, Mas desiste quando chega ao próximo
Já está estragada, e nós dois sabemos

O pote dourado da geleia vermelha
Respira um poema milenar na madeira,
Canta cantigas estranhas, profecias malandras
Solta maldições traiçoeiras
É o trabalho d'um feérico, mentirosos da verdade

Quando saio deixo um bilhete
A caligrafia floreada em primavera de nanquim
E uma digital tirada em geléia
Contra o creme amanteigado do papel:

Vou caçar espectros no fundo da floresta
Onde o mundo vai silente e implora
Junto orvalho nos cachos e derreto à aurora
Descalço os pés e me torno água:
Invado troncos por uma fresta

Deixo a geleia e a manteiga em cima da mesa
Reluzindo embaixo do mel que jorra
Da janela na escada;
As moscas são tranquilas, e se aproximam lentamente
Pequenas meninas vestidas em veludo negro

Há um estranho silêncio naquele quarto agora
Sem suas luvas e sem minhas quimeras

Que seja
As moscas gostam.

chá e rendaWhere stories live. Discover now