Aceite o que você é.

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***

Parei no meio do cemitério quando tudo estava em silêncio, era tudo tão calmo que já estava começando a me irritar.

Eu estava sobrecarregada com tudo isso, que respirei o mais fundo que pude e gritei. Gritei tanto que ouvi minhas cordas vocais se esforçarem ao máximo, gritei e gritei repetidas vezes querendo colocar tudo para fora. Eu queria sentir o alívio do que eu guardei por muito tempo. Estava cansada de chorar e de lamentar, de ser apenas um poço de sentimentalismo e sofrimento acumulado.

Precisei tanto disso.

Como o meu pai pôde fazer isso comigo? A própria filha dele?

Já estava subindo as escadas do solar quando senti alguém, olhei para trás e a sombra estava parada me olhando. Não reconheci quem era, nem parecia ser familiar.

— Está tudo bem?— Dion aparece.

— Sim. Eu só estava...— viro para o campo, a figura havia sumido.— Nada.

— Nós temos que fazer uma reunião no salão, para decidirmos a organização de todos.

— Será que você poderia fazer isso com a Lorelai?— pergunto.- Afinal, ela é a alfa deles. Vão ouvir apenas ela.

— Eu sei que tudo isso é assustador pra você.— diz se referindo ao solar.— Mas nesse momento tudo o que a minha alcateia precisa é de um porta voz, de um posicionamento. E Lorelai está muito abalada com a captura e as...

— Torturas.— digo — Eu entendo.

— Eu faria isso, mas acho que você é a pessoa que deveria estar lá orientando eles e os organizando no solar.

— Dion, eu agradeço por tentar me incentivar. Mas esse lugar...— eu aperto os lábios

Ele cruza os braços.

— Não vai ficar, não é?

— Eu não posso ficar.— digo com a voz firme.

Dion passou a mão pelo o rosto e depois cruzou os braços novamente. Ele ficou em silêncio, enquanto eu prezei para que ele falasse alguma coisa, qualquer coisa. Mas ele não disse, apenas virou as costas e entrou no solar, me deixando ali com a boca entre aberta.

— Então você vai embora.— Nicholas diz alto atrás de mim.

— Esperava mesmo que eu ficasse? Depois de tudo?

— Sinceramente, eu tive um pouco de esperança.— ele confessa.— Se eu soubesse desde o início que você iria mesmo embora, nem teria me dado o trabalho de tentar ter você aqui.

— Acha mesmo que eu poderia recomeçar no mesmo lugar em que mataram a minha mãe? Ou no lugar em que meu pai fazia experiências até eu nascer?— eu joguei os braços para o ar , sentei no degrau da escada e fechei o meu rosto em minhas mãos.

Estava tentando ser forte, tentei em todos os momentos não desmoronar novamente como na floresta, no dia em que a minha mãe morreu. Perder o controle das minhas emoções me custou muito, eu não queria ter que passar por aquilo de novo.

Sinto ele subir as escadas e sentar no meu lado, até pude ouvir ele cruzando as mãos.

— Me desculpa.

— O quê?

— Eu estava sendo egoísta.— Nick se justifica.— Você passou por tanta coisa... eu estava tão determinado em te fazer ficar e tentar cuidar de você que nem parei pra pensar que você só precisa se curar. De tudo isso.

Levantei a cabeça para olhar ele, a barba estava crescendo e o cabelo cheio de restos de folhas.

— Você não mereceu tudo o que te aconteceu. Te ver triste... me deixou quebrado. Eu me importo com tudo o que esteja ligado a você, principalmente os seus sentimentos.

Eu toquei o ombro dele e dei um sorriso de canto.

— Isso é ser humano.

— Conversar?

Neguei com a cabeça.

— Ter empatia por alguém.— ele ergueu as sobrancelhas.— Não deve ser comum entre os vampiros.

— Ah não, com certeza não é.

— Já imaginava.— digo.— Mas isso também é ausente na maioria de nós. Obrigada por mostrar um pouco disso pra mim.

Ele deu um sorriso amigável e em seguida se levantou.

— Se você quer mesmo ir embora, então não irei mais insistir. Eu prometo.— garante.— Mas me deixe pelo o menos te levar até onde eu puder.

— Você faria isso?

— Sim, eu faria.— responde na mesma hora.—Só quero te ver bem, Jean.

— O que vocês encontraram?— Lorelai estava escorada na entrada, tentando se manter em pé. Eu levantei da escada e desviamos a conversa.

— As armas que vocês tanto falavam. Junto de experimentos, painéis digitais, medicamentos...— Digo contando nos dedos.— Tudo dentro de um laboratório que fica nas profundidades.

Pude ver o alivio no jeito que Lorelai relaxou os ombros.

— Isso é incrível.— disse com um sorriso.— Achei que nunca iríamos encontrar, mas é um grande alívio... eu estava quase desistindo...— ela se escorou na parede e grunhiu de dor.

— O que foi? Está tudo bem?— Nicholas a segurou.

— Minhas costas...— ela tocou com dificuldade.— Me leve para dentro, eu preciso deitar.

Quando a resgatamos do solar Drácula, ela estava em estado de choque. Suas mãos tremiam e o olhar estava completamente frio, como se tudo o que ela via fosse um vazio. Mas vê-la com esperança no rosto de novo me deu força.

— Eu já volto.— Nicholas diz carregando Lorelai. Concordei com a cabeça.

Aquele tempo sozinha na entrada me fez refletir sobre o rumo que eu tomaria a partir de hoje. Como seria a minha vida se eu finalmente deixasse Romênia? Para onde eu iria?

Eu só não podia ficar, não sei como eu poderia ficar. Não importa pra onde eu fosse, acho que me sentiria bem em qualquer lugar do mundo que não fosse aqui.

Grécia, eu pensei. Bem rápido.

Eu já não tinha mais nada a perder, nada mesmo. Poderia viajar e me deslocar para onde eu quisesse sem nenhuma preocupação. Eles acharam o solar e todas as armas para lutar na guerra, era só uma questão de tempo até conseguirem aliados. Eles não precisavam mais de mim.

Mas Nicholas invadiu meus pensamentos, assim como Dion e Lorelai. Eles cuidaram de mim, me acolheram e me apoiaram... e eu estava os deixando. Eu nunca mais poderei ver Vlad de qualquer jeito, isso me destrói tanto que me faz querer muito ir embora. Não só o fato de que perdi tudo nesse lugar, mas saber que o perdi ainda vivo e que nunca mais o verei.

Entro procurando por Dion, ele estava conversando com um dos membros da sua alcateia. Eu faço um sinal para poder falar com ele a sós.

— Já está partindo?— pergunta friamente.

— Acho que posso fazer isso.

Ele arqueou as sobrancelhas surpreso.

— O quê?

— Me desculpa...— digo de cabeça baixa.— Eu perdi absolutamente tudo e praticamente todos que eu amo. Mas eu encontrei vocês. Eu poderia partir agora sabendo que me livraria da sensação horrível de estar neste país. Mas nunca me perdoaria sabendo que poderiam morrer nessa guerra sem eu lutar ao lado de vocês. Família não é só sangue.

— É, não é mesmo.

— Fiquei tão desesperada em fugir do luto e da dor, que não vi o quanto vocês fizeram o possível para eu me adaptar a isso. Os três tiveram perdas assim como eu, assim como todos que estão nesse solar. E ao contrário de mim, essas pessoas vão lutar pelo o que acreditam e pelas perdas que tiveram.

Ele ficou me olhando por alguns segundos com um pequeno sorriso.

— Eu espero que você ainda me aceite.

— Como você mesma disse, família não é só sangue.— ele toca o meu ombro.— Obrigada por ficar, Jean.

Meu vizinho se chama Vlad Where stories live. Discover now