Touching Paradise • Beauany

Nostalgic day

03.10.2019 - 07:30
Los Angeles, California

Any Gabrielly

Olheiras enormes estampam meu rosto quando encaro meu reflexo no espelho, mas não me incomodo. Passar a noite em claro tem suas consequências. Conformada, ajeito meus cabelos da melhor maneira possível e deixo o banheiro, pronta para iniciar o dia.

Quando chego a sala, encontro Shivani distraída em frente a um dos quadros que nossa mãe tanto amava. Antes o considerávamos como o objeto de decoração mais brega do planeta, mas agora é uma verdadeira relíquia aos nossos olhos. Me aproximo devagar e paro ao seu lado. Ela tem me ignorado nos últimos dias, entretanto não importa agora.

— Se lembra quando ela comprou essa coisa? — pergunto baixinho, encarando o quadro da cesta de frutas em cores nada convencionais.

— Como eu poderia esquecer? Aquela feira hippie foi memorável. — ela solta uma risada contida, a qual acompanho. — Ainda tenho as fotos que tiramos naquele dia. Inclusive aquelas onde fazemos caretas adoráveis ao provar aquele suco orgânico horrível.

— Nem me fale. — faço careta. — Sinceramente, a pessoa que teve a ideia de misturar pepinos, cenouras e folhas de beterraba não sabia bem o que estava fazendo.

— E a mamãe menos ainda, por praticamente nos obrigar a tomar aquilo.

— Com certeza. — me afasto alguns passos. Meus olhos recaem em nosso sofá, onde noto a mochila da Shiv. — Por que desceu com ela? — aponto o objeto. Minha irmã suspira.

— Porque vou para a escola.

— Pensei que fosse comigo e com o papai ao cemitério. — tento conter ao máximo a decepção em minha voz.

— Mas não vou, ok? — ela cruza os braços.

— Como não? Ela é sua mãe!

— Eu sei, só que ela morreu! Eu continuo aqui e preciso frequentar aquela droga de escola todos os dias se quiser construir o meu futuro.

— Wooow! — rio sem humor algum. — Eu sempre soube que você era uma egoísta do caralho, mas a esse ponto... Meu Deus, Shiv! Pensei que teria o mínimo de consideração.

— Eu tenho consideração. É por isso que estou fazendo o que sei que ela gostaria. Estou vivendo a minha vida. — Shiv me encara ferozmente. Os olhos escuros parecem lacrimejar. — Você não é a única que se importa, então pare de agir como tal.

— Do que você está falando? Eu nunca agi dessa forma. É você quem não demonstra um pingo de sensibilidade em relação ao que houve.

— Olha só, não passa um único dia sem que eu sinta a falta dela. A diferença entre nós é que eu tenho autocontrole.

— Ah, frieza agora se chama "autocontrole"?

— Any, dá um tempo! — ela eleva o tom de voz, e então suspira exasperada.

Reviro os olhos e lhe dou as costas, passando a focar nas cortinas da sala. Sinto uma leve ardência nos olhos, que em poucos segundos estão marejados. Pisco incessantemente na tentativa de que a umidade não transborde. Não vou chorar agora.