(CONTINUAÇÃO) Encantada - O reino amaldiçoado

Capítulo dezessete

  O grito saiu da boca de Anne Smith assim que seu irmão lhe sacudiu lentamente, acordando-a do pesadelo. Mais um entre todos os outros que tinha desde a infância. Sentou-se desajeitada, com o coração acelerado por conta da adrenalina que havia vivido em sonho. Não lembrava com clareza do que era, mas podia jurar que fora algo arrepiante e muito triste, pois seu coração trazia o peso do que viverá no mundo irreal de seu subconsciente.

  - Você está bem, pirralha? - seu irmão tocou gentilmente em seu ombro, olhando-a com suas incríveis íris azuis piedosas. Ele era um ano mais velho mas sua fisionomia era bem mais madura e experiente do que a da irmã, que tinha todo um jeito inocente tanto na aparência quanto nas atitudes. - Acho que estava tendo um sonho ruim.

  Ela confirmou com sua cabeça, suspirando em seguida, sentindo aos poucos seu corpo relaxar. Suas mãos estavam trêmulas e a sensação de não se recordar o que havia visto em sonho, a estava deixando ainda mais agoniada. No entanto, sorriu levemente para que o garoto levasse convicção de que não estava ocorrendo nada demais. Jason era duro na queda mas podia ser um irmão coruja também.

  - Se não descer para o café vai acabar se atrasando para a escola. - Ele anunciou, mas apesar da boa atuação dela, não pareceu muito convencido. Mais uma vez a menina apenas assentiu e achando seu comportamento muito esquisito ele se retirou, ainda que estivesse curioso sobre o que a estava deixando daquela forma tão inquietante.

  Sozinha, a garota disse a si mesma que estava tudo bem, que estava acordada e não dentro de algum pesadelo sombrio. Se arrumou rapidamente, guardou todos seus pertences, pegou seu celular e desceu as escadas correndo. Assim que chegou no cômodo da cozinha, sua família já estava animada em um debate sobre  O Sol da meia noite.

   No meio da animação na qual eles falavam sobre o filme, não a viram descer e pegar uma tigela colocando dentro da mesma um punhado de surcrilhos e um pouco de leite.

  - As pessoas sentem pena de Charles por ter perdido a Katie e acabam se esquecendo que Morgan perdeu sua melhor amiga também. Ela acompanhou a doença de Katie desde o início, se tornaram amigas quando ainda eram crianças. - A voz de sua mãe lhe alcançou assim que a menina se aproximava para se sentar na última cadeira vaga. - Imagine como deve ser horrível perder sua melhor amiga. Eu não suportaria.

  Uma dor aguda atingiu o peito de Anne, ela que estava em pé teve suas mãos tomadas por uma tremedeira incontrolável, a tigela que segurava caiu derramando tudo e se quebrando com um estrondo. Uma tristeza sem final lhe invadiu fazendo parecer que sim, Anne já havia experimentado aquela dor antes. Só não sabia de onde vinha aquele sentimento.

  - Anne!!! - a voz de sua mãe saiu alta mas não em tom de julgamento e sim preocupação. - Você está bem, querida?

  Tentando se recuperar do que quer que tenha sido aquela angústia, a garota meneou sua cabeça positivamente e se ajoelhou, começando a recolher os cacos e concertar a bagunça que havia causado. Quando pegou o primeiro fragmento do que já fora uma tigela, sua visão ficou turva e seu subconsciente trouxe algo para sua mente, uma voz. A sua voz.

"Eu não poderia ter tido uma melhor amiga melhor.  A vida levou você de mim antes que eu pudesse ter lhe pedido perdão. Eu sei que fiz você acreditar que tinha que se desculpar, quando na verdade, era eu quem deveria ser perdoada. Se estiver me ouvindo, peço que me perdoe, Lena. Eu amarei você para todo o sempre, e farei justiça em seu nome."

  Seu peito doeu como se estivesse sentindo tudo aquilo que estava alucinando. Tudo aquilo o que ela achava ter dito. Talvez tivesse sido em um pesadelo, mas Anne sabia que independente da ocasião, dormindo ou não, já havia perdido alguém que amará muito e aquela dor havia lhe consumindo. As palavras de Elisa apenas a desenterraram de seja lá aonde a memória estivesse. Uma memória. Aquilo era uma memória. Mas sequer lembrava de já tê-la vivido...