Capítulo quarenta e oito

40 11 2
                                    


  Eles haviam vencido a guerra, mas ainda assim, Mia não havia devolvido o verão para aquele lugar amaldiçoado, ela e os amigos precisavam de um tempo para se recuperar antes de voltarem a ativa, por isso, as noites ainda eram frias.

Demorou bastante para que a culpa batesse na porta da princesa, mas sem mais o peso de um mundo para salvar, ela batia. Pensar no passado, a fazia ficar enjoada e inquieta, um pouco irritada também, porque tudo que acontecerá desde o dia que fora buscar a cura para seus pais, fora em vão, afinal de contas, eles continuavam adormecidos.

Com os olhos umedecidos por lágrimas silenciosas, as costas contra a grama macia, ela fitava as estrelas cintilantes e luminosas com o negrume do céu de plano de fundo. Estava centrada em um espaço vazio do pequeno terreno de seu guardião, deitada, sentindo pena e ódio por si mesma, enquanto era envolvida pela noite escura e ouvia o distante som de um grilo quebrando brevemente o silencio.

Esse era o único som que ela conseguia escutar além de seus pensamentos de culpa e xingamentos contra si mesma. Não conseguia se perdoar por toda dor que os últimos tempos causaram, era tudo culpa sua...

- Princesa? - ouviu o guardião se aproximando, mas não disse nada nem o fitou, na verdade, não moveu um único músculo, se limitando a encarar o céu.

Estranhamente compreensivo, como se ela houvesse falado o que estava acontecendo, Austin suspirou e calmamente se deitou ao seu lado, respeitando o espaço e estado da garota.

- Foi tudo em vão... - Não sabia quanto tempo aguentaria sem surtar, mas pelo menos precisava dizer aquelas coisas em voz alta. - Tudo o que fizemos, foi em vão. Meus pais ainda estão dormindo. E agora... Colin está morto.

- E nada disso é culpa sua. - havia sinceridade em sua voz serena, ele não estava tentando acalmar Mia, só estava acostumado com coisas ruins como aquela acontecendo.

- Foram dezessete anos de maldição, Austin. Porque eu não era tão boa quanto o universo esperava. - pela primeira vez ela deitou sua cabeça para o lado e o fitou com seus olhos verdes. - Todo mundo está sempre na linha de fogo por minha causa. Meus pais, Elena, Colin... Todo mundo que eu amo sempre paga o preço por minha causa.

- Nenhum de nós tinha como saber o que ia acontecer quando você entrasse naquele rio, foi sim uma merda, porque ficamos dezessete anos sem você. - Ele continuava com sua crença inabalável de que nada daquilo fora culpa de sua princesa. - Mas a guerra, ela aconteceria de qualquer forma, enquanto Charles estivesse vivo, ele seguiria o legado da mãe e não teríamos paz.

- Por que continua tentando fazer com que eu me sinta melhor? - ela quase gritou. - Você não viu as coisas que eu fiz? Eu sou como o meu irmão.

- Porque eu te conheço, Mia Tate. - ele manteve sua voz tranquila e baixa. - Você é incapaz de machucar uma mosca quando está consciente.

- Todo mundo vive tendo que se sacrificar por mim. - Ela sabia que Austin era devoto demais para odiá-la ou culpa-la, mas não conseguia ver a si mesma como ele via, não naquele momento. - Todo mundo... Helena e Colin já se foram, quanto tempo até que seja um de vocês, isso tem que acabar, eu não suporto mais esse fardo.

- Por que está fazendo isso consigo mesma? Eu não entendo.- Austin a olhou, confuso, percebendo que a garota nem ao menos estava dando chance para que ele tentasse tornar as coisas menos pesadas. - Está se torturando! E não é justo, você sofreu tanto quanto nós...

- Eu me tornei a pessoa que eu mais odeio.

- Sinto muito que se veja desta maneira, mas não vou permitir que se afunde em uma culpa que não merece carregar, as escolhas das outras pessoas podem ser sobre você mas não é você que as faz. - Mia o olhou com tristeza e sem que ela o interrompesse, ele a puxou para seu braço e passou a acariciar lhe os cabelos, ambos voltaram seus olhos para as estrelas.

Somente horas depois, foi que ela se acalmou e eles deixaram o jardim, Austin foi diretamente para seu quarto depois de depositar um beijo de boa noite na testa da princesa. Ela por sua vez, não se recolheu, suspeitava que como ela, Cassandra ainda estava lidando com muitas emoções e não queria vê-la sofrer mais.

Ela se aproximou do quarto da garota e a encontrou deitada sobre a cama, como ela esperava, acordada e fitando o teto. Bateu delicadamente na porta, chamando a atenção da garota para sua presença.

- Entra. - Cassie permitiu, não aparentava estar muito animada mas sorriu minimamente.

Quieta, Mia entrou no quarto e caminhou até a penteadeira da garota, sabia que ia demorar até que as coisas voltassem completamente ao normal, mas se tinha algo que se negava a perder era a conexão que possuía com Cassandra.

- Vou fazer a sua trança. - Declarou, quando confusa a humana ficou lhe seguindo com os olhos. - E depois, um brigadeiro para gente assistir...

- Patricinhas de Beverly Hills. - A outra completou, soltando uma risada ao se lembrar que em todas as noites das meninas, Mia tinha que ver seu filme preferido. Ela parecia finalmente relaxar.

- Você precisa admitir que no fundo, gosta do filme tanto quanto eu. - Fingiu zangar-se, deslizando a escova pelas ondas amareladas.

- Na verdade, eu sou completamente apaixonada por ele, tanto quanto você. -Depois de muitos anos fingindo apenas tolerar o filme de romance e não dando o braço a torce, ela finalmente admitiu.

- VOCÊ ADMITIU. - Gritou alto e ergueu as mãos para cima em uma calorosa comemoração, Cassie gargalhou e revirou seus olhos.

- Xiu, vai acordar os rapazes. - Brincou a loura, não se lembrando da ultima vez que estivera tendo um momento tão natural e normal como aquele. - E eu não vou dividir o brigadeiro com eles.

- Coitados. - Mia fez careta e soltou os cabelos já trançados da outra. - Terminei, vamos. - Pulou para fora da cama e a puxou aos tropeços pela mão, rumo a cozinha.

(CONTINUAÇÃO) Encantada - O reino amaldiçoadoWhere stories live. Discover now