Uma Estranha Atração

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Depois daquela noite, ardi de febre por semanas. Mal sabia o meu nome e quem eu era, entre delírios e pesadelos, jogado na cama e enrolado entre mantas de lã.

Havia sido o frio do inverno que acometera meus pulmões na torre e fizera a bile negra espalhar-se por meu sangue, dissera o médico. O fantasma vingativo de minha mãe me amaldiçoara, comentara o padre. Eu não tinha ideia de qual dos dois estava certo, enquanto tremia, gemia e batia os dentes, atordoado por um estupor febril.

Talvez tivesse morrido, se não fosse por Thiago. Sim! Ele mesmo.

Havia esquecido dele completamente. Mas um dia, ao abrir os olhos, o vi sentado ao meu lado, distraído e lendo um livro. A figura dele se recortava contra a janela parcialmente aberta.

Lá fora, o céu se abrira e o sol brilhava; a luz refletia nos cabelos escuros do escudeiro e em seus olhos negros. Percebi que o olhar dele era um tanto melancólico e profundo, como um lago em uma noite sem lua, e isso me atraiu. Que mistérios ele deve esconder para ter olhos deste jeito?, perguntei-me em silêncio.

De repente, ele pareceu notar que era observado e, deixando o livro sobre uma mesa de canto, voltou-se para mim.

― Ah! ― Thiago exclamou, surpreso. ― Você está aí...

― Onde queria que eu estivesse? ― rebati, mal-humorado, percebendo que minha cabeça doía como se cavalos selvagens a tivessem pisoteado. Mas que pergunta imbecil, pensei, já querendo dormir de novo.

Com um gemido baixo de dor, fechei os olhos. Senti a mão de Thiago em minha testa e rapidamente os abri. Ele se inclinara para me examinar, e eu pude sentir um pouco do calor de seu corpo. Grunhi, muito incomodado com aquilo, e me afastei para o lado.

Ele aprumou o corpo e piscou, parecendo um tanto envergonhado e surpreso pela minha reação.

― A febre cedeu ― disse, encabulado, como se quisesse se explicar. ― Eu estava preocupado. Há dias você está doente. Cheguei a pensar que poderia mesmo morrer...

Eu franzi a testa, ajeitando-me na cama para poder fitá-lo.

― Há dias?

― Duas semanas... ― Ele meneou o queixo, assentindo. ― Quando o retiraram da torre, você já estava febril. E então, apagou.

― Apaguei? ― indaguei, rouco, sentindo a garganta seca e dolorida.

Thiago fez que sim e continuou:

― Por sorte o médico foi hábil! Fez algumas sangrias e lhe deu as poções certas.

― Sangrias? ― Horrorizado, arregalei os olhos e examinei meu braço.

Na dobra, um corte feio e um hematoma mostrava que Thiago falava a verdade. Estremeci de medo e nojo só de pensar na imagem de meu sangue pingando em uma bacia, enquanto eu, pálido e desacordado, era sangrado como uma vítima de antigos sacrifícios humanos. Em minha imaginação, o médico era um sacerdote vestido de negro com olhos enormes e dentes afiados. E a faca em sua mão estava banhada em sangue por causa de outros sacrifícios...

Sou bastante imaginativo... Não sei se já perceberam. Arquejei de susto como se o médico estivesse ainda ao meu lado.

Assustado, Thiago se levantou com um pulo e olhou para trás, levando a mão ao punhal de uma adaga presa ao cinto. Depois, suspirando de alivio ao ver que não havia nada, sentou-se novamente na cadeira.

― O que houve? ― Ele sorria, não com cinismo ou sarcasmo, como muitos sorriam para mim. Mas como se estivesse realmente feliz em conversar comigo.

GillianDonde viven las historias. Descúbrelo ahora