De volta a Locksley

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O outono terminara.

Eu e Thiago havíamos retornado a Locksley há três dias. Desde então, tínhamos nos banhado demoradamente, refeito nossos curativos e dormido a maior parte do tempo.

Apesar das semanas trancados na torre, não tínhamos ânimo para aproveitar a liberdade recém conquistada. Continuávamos na antessala ou no quarto, quietos, olhando o fogo da lareira a maior parte do tempo, como se ainda fossemos prisioneiros. Mesmo libertos nos sentíamos presos,  aterrorizados por tudo o que acontecera. Eu, mais do que Thiago, queria apenas esquecer tudo e recomeçar. Apenas me faltava coragem para dar o primeiro passo.

Diante da janela de nosso aposento, lado a lado nós observávamos o sol iluminar os campos ao redor do castelo com uma luz muito clara, refletida pela fina camada de gelo que se formara durante a madrugada.

Eu tentava juntar forças para sair e andar um pouco pelo pátio. No entanto, abatido, continuava ali parado, apenas vendo as nuvens cruzarem rápido pelo céu azul. Talvez tivesse ficado ali muito tempo, olhando a luz da janela como fizera por semanas na torre de Aslan, mas subitamente alguém bateu forte na porta e a abriu sem esperar resposta.

Sorri. Eram John e Elizabeth, que haviam deixado Ossington, o hospice onde Robert se recuperava. Também tinham vindo se abrigar em Locksley durante o inverno, e esse castelo poderia agora se chamar o Lar dos Refugiados ou qualquer coisa do tipo, porque tanto eles como eu e Thiago precisávamos desesperadamente de abrigo. Eu tentava não pensar no que meu pai e meu irmão fariam quando nos encontrassem, a mim principalmente. Esse era um problema que eu fazia questão de ignorar até o momento em que ele despencasse em meu colo.

Eu e Thiago estávamos juntos diante da janela, e minha mão estava pousada nos ombro dele em um gesto íntimo. Era como se não conseguíssemos mais ficar longe um do outro depois de tudo o que havia acontecido. John notou isso, assim como Elizabeth, mas os dois apenas sorriram como se não se importassem.

— Vamos! — John aproximou-se, apertando o punho da espada presa à cintura. — Hoje é dia de iniciarmos o treinamento.

— Treinamento? — Eu e Thiago nos entreolhamos com as testas franzidas.

John era um homem alto e musculoso; ele havia sido o capitão da guarda de Nottingham antes de ser um guarda florestal. Parecia totalmente recuperado de seus ferimentos como se nada houvesse acontecido.

No entanto, nós dois mal tínhamos forças para uma caminhada, e treinar com as espadas seria algo impossível.

— Estamos cansados... — resmunguei mal-humorado. — E meu braço está ferido! — Mostrei o ferimento causado pela flecha enrolado em uma faixa, e meu braço apoiado por uma tipoia.

Thiago não tinha força nem para protestar; somente balançou a cabeça em negativa. O corpo dele estava coberto de marcas de pancadas e hematomas doloridos.

John franziu o cenho, como se não pudesse acreditar em nossos protestos. Seus olhos não mostravam o mínimo de pena.

— Em uma batalha, ou durante uma Cruzada, acha que terão tempo para se recuperar destes ferimentos pequenos?

— Ferimentos pequenos? — Arregalei os olhos, incrédulo. — Provavelmente ficarei por meses sem conseguir me mexer direito...

— E eu estou cansado... — Com olhos baixos, Thiago andou para as almofadas e se deixou cair sobre elas.

Elizabeth foi atrás dele, agachou-se e passou um braço pelo ombro dele.

— Por favor, Thiago...Vocês não me deixarão treinar sozinha com John.

GillianOnde histórias criam vida. Descubra agora