Cavaleiro

74 16 7
                                    


Aos vinte e um anos, o escudeiro realizava a sua passagem da juventude para a idade adulta ao se transformar em cavaleiro. O ritual de sagração era uma solenidade de grande importância.

Na noite anterior ao evento, o aspirante ficava em jejum e realizava a vigília das armas. E naquela noite, na capela de Hastings, estávamos eu e Francis diante de nossas espadas e armaduras postas no altar.

Pela manhã nosso pai nos surpreendera, dizendo que iria aproveitar a presença do conde William Fitzbur no castelo para tornar eu e meu irmão cavaleiros e declarar nossa maioridade. Eu tinha apenas dezesseis anos e Francis dezoito, portanto estávamos longe da idade adequada para a cerimônia. 

Sentado ao fundo da capela, entre o perfume doce de incenso e o ressonar de meu irmão, que sentara-se o mais afastado possível e agora dormia em um banco à frente, eu refletia, esforçando-me para descobrir o motivo daquilo.

Esperava todo tipo de retaliação após o duelo contra Francis, e não ser premiado com a sagração à cavalaria. Qualquer outro no meu lugar estaria dando pulos de alegria, mas não eu, desconfiado de que havia uma intenção oculta na decisão de meu pai.

Finalmente, a manhã veio.

Deixamos a capela e, em meio ao salão principal, ambos nos ajoelhamos diante de meu pai e do conde William, enquanto minha madrasta batia com a ponta da espada em meus ombros de um lado e de outro, e depois fazia o mesmo com meu irmão. Estávamos os dois muito bem vestidos, com cotas de malhas, túnicas bordadas e longas capas avermelhadas, rodeados por toda a corte de Hastings. Foi uma bela cerimônia.

A seguir, um banquete foi servido, brindes trocados e, apesar de minhas preocupações, eu me sentia orgulhoso e alegre.

Então, ao cair da outra noite, por fim meu pai chamou-me aos aposentos dele para uma conversa privada. Minha breve alegria desaparecera porque imaginava que finalmente ele iria me revelar sua verdadeira intenção; eu já previa alguma desgraça e seguia para lá com o coração pesado.

E mais pesado ainda meu coração ficou quando vi que minha madrasta, a odiosa Chloe de Cluny, estava sentada em uma poltrona diante da lareira, fingindo bordar, enquanto meu pai me fitava com uma expressão séria.

— Amanhã o conde Fitzbur e seus homens partirão — ele começou — e em breve retornarão na companhia de Marion, a futura esposa de seu irmão, para comemorar o noivado de ambos.

Eu somente assenti, ainda sem entender porque fora chamado.

— Depois — continuou meu pai — teremos as competições anuais de Nottingham. Você deve ficar próximo à família nestes dois eventos e assim mostrar a todos que as desavenças contra Francis, seu irmão e meu herdeiro, foram superadas.

A voz dele era dura e a expressão mostrava que ele não admitiria qualquer tipo de negativa.

— Sim, meu senhor — eu respondi, como sempre submisso às suas ordens, as quais eu jamais ousava contrariar, ao menos diante dele.

— E de Nottingham, você partirá.

— Partirei? — Franzi a testa, sem entendê-lo.

— Lhe darei suas armas, um cavalo de batalha e dinheiro para que você possa se manter por alguns meses. O rei Henrique batalha constantemente contra os próprios filhos na Aquitânia, e você deverá se engajar no exército dele... Ou de algum outro lorde importante da região.

Minha boca se abriu e fechou sozinha. Eu estava atônito. Aquilo era o que eu planejara enquanto surrupiava escondido as moedas da torre em meu plano secreto de fuga.

GillianOnde histórias criam vida. Descubra agora