Despedidas

42 12 3
                                    

— Gillian! — Subitamente alguém gritou atrás de mim.

Por um momento, balancei na beira do abismo. Por sorte,  uma mão agarrou meu braço e me puxou de volta com um tranco violento.

Caí esparramado no chão da torre, trêmulo de pavor, e ao mesmo tempo, tremendamente envergonhado. Em pé ao meu lado estava Thomas, encarando-me com o cenho franzido e um olhar muito sério.

— O que estava fazendo? — ele indagou, enquanto eu me sentava.

Minha respiração falhava. Eu tentava respirar em haustos sôfregos e pensar de maneira racional. O que eu estava fazendo?, repeti a pergunta em minha mente, aterrorizado pela bobagem que quase fizera.

Lágrimas saltaram de meus olhos, enquanto eu murmurava desculpas confusas.

Thomas me surpreendeu. Sentou-se na amurada diante de mim e, mais uma vez, insistiu:

— Conte-me. Qual o problema?

Eu não gostava de me abrir com as pessoas, principalmente com alguém que  mal conhecia. No entanto, de repente as palavras começaram a sair de minha boca como se houvesse outro dentro de mim mesmo que precisava falar.

Por quanto tempo eu me confessei entre soluços? Não sei dizer... Mas afinal acabei lhe dizendo tudo. O acidente de minha mãe, o ódio que me cercava desde então... E depois sobre Elise, Thiago e Jack.

Thomas apenas me ouviu. Quando terminei, a lua minguante já estava alta no céu e estrelas salpicavam a noite com um brilho intenso. Archotes haviam sido acesos no pátio e sobre as muralhas do castelo; entretanto,  a luz não chegava ao alto da torre, e nós dois éramos apenas  vultos escuros sobre ela.

Finalmente, eu me calei. Ficamos em silêncio por um tempo. 

Ainda sentado no chão, eu havia me embrulhado na capa e mordia os lábios, sentindo-me miseravelmente infeliz. Com o dorso das mãos,  esfregava meus olhos, que ardiam depois de tantas lágrimas. Esperava que Thomas se erguesse e começasse com sermões  sobre a minha falta de decência por amar outros rapazes.  E por enganá-los, assim como enganara Elise.

Ele se pôs de pé e coçou a cabeça, enquanto continuava a me observar. Parecia refletir sobre tudo que eu dissera. Na escuridão, eu só podia vislumbrar seus olhos. 

— Mas que maldita confusão. Espero que a resolva logo! Odiaria que seu sangue manchasse o pátio lá embaixo. Acabamos de trocar as pedras antigas por novas — por fim Thomas disse em tom irônico, e a seguir estendeu a mão para me ajudar a levantar.  — Amar demais é melhor do que não amar ninguém!

Não havia condenação na voz dele. E nem mesmo, a maldita compaixão que eu tanto odiava. Isso me salvou, inundando-me com uma maravilhosa sensação de alivio.

 Pela primeira vez, percebi que talvez eu não fosse um completo monstro. E que aquilo que  pretendera fazer comigo mesmo teria sido a coisa mais idiota do mundo.

— Obrigado... —  murmurei, meio rouco após falar tanto.

Ele deu um tapa forte nas minhas costas.

— Vamos tomar uma cerveja na taverna da vila — convidou-me. — Ranulf, o taberneiro, tem uma produção própria. O gosto dela é horrível, mas é mais forte do que um hidro mel viking. Acho que você precisa disso.

Naquela noite, sentados em uma mesa no canto da tal taverna, ambos continuamos a  conversar. Thomas foi como o pai que eu nunca tivera de verdade.


***

Era quase madrugada quando voltei ao meu aposento. Com passos trôpegos, estonteado pela cerveja forte, cruzei a antessala.

GillianWhere stories live. Discover now