Locksley II

48 12 6
                                    

O tônico trazido por um monge era na verdade um poderoso sonífero, e quando voltei a abrir os olhos já era a manhã seguinte.

A boa noite de sono me deixara mais confiante. Após me vestir, desci a escada aos pulos em busca de Jack. Decidira que lhe contaria tudo e não mais teria medo da resposta dele. Se ele me amasse realmente, iria superar aqueles pequenos detalhes. É claro que ter uma noiva e um amante a minha espera não eram detalhes assim tão pequenos, mas enfim... Quem não tinha segredos? A vida se tornava bem mais emocionante com eles.

Pensamentos deste tipo me animavam, e assim que cheguei ao pátio do mosteiro me deparei com Jack. Ele treinava com o arco e disparava flechas em um alvo pendurado ao muro. O sol iluminava seus cabelos com reflexos dourados e os braços estavam erguidos e tensos , um esticado à frente, empunhando o arco, o outro puxando a corda com o cotovelo dobrado para trás.

A visão fez meu coração bater mais rápido. Imóvel naquela posição, preparando-se para disparar, Jack se parecia com uma estátua esculpida por algum deus maligno, decidido a me confundir com a beleza dele. A decisão de contar tudo começou a me parecer um absurdo. Caminhei para ele com passos titubeantes.

— Está um belo dia hoje — comentei ao me aproximar e torci meus lábios em um sorriso meio idiota.

Ignorando-me, Jack disparou  a flecha. Depois, pegou outra flecha da aljava que trazia pendurada nas costas e a encaixou na corda do arco. Só então, em silêncio, se dignou a olhar para mim de relance. E então, ainda calado, voltou a se concentrar no próximo tiro.

Maldição... Suspirei.

— Jack, eu... — comecei, mas logo me calei, sem saber como continuar.

Ele disparou novamente. A flecha acertou apenas a lateral do alvo.

— Com mil demônios! — Jack deixou escapar uma praga e enfim baixou o arco.

Oh, Deus, lamentei-me. O humor dele não parecia dos melhores. No entanto, continuei sorrindo.

— Já tomou seu desjejum? — resolvi perguntar. Ainda era cedo para conversar. Talvez depois de comer algo. Ou quem sabe a noite.... Ou daqui há alguns anos, quando nós dois estivéssemos velhos. Então eu poderia dizer. "Sabe, houve uma garota chamada Elise que..."

Enquanto eu calculava meu próximo passo, os olhos dele me analisavam, azuis e brilhantes, muito atentos.

— Diga a verdade, Gillian? — afinal ele disse algo.

Franzi a testa.

— A verdade? — Me fiz de desentendido.

— A verdade — ele insistiu.

Merda... , suspirei de novo, bastante aflito. A seguir, respirei fundo para tomar coragem. Juro que iria contar, mas então, subitamente vi Padre Ralph aproximar-se.

— Que bom que acordou — o padre dirigiu-se a mim. — Sente-se melhor?

— Sim.. — afirmei, quase em um murmúrio. Eu percebia o olhar do padre, observando-me de uma maneira fria. E então, eu soube. Jack revelara para ele o que se passava entre nós. E também pressenti que ele sabia sobre Elise. Mas teria contado a Jack?

— Que Deus lhe dê saúde! — o padre continuou, e a seguir mostrou-me um pacote enrolado em um pergaminho que trazia nas mãos. — Preciso que vocês levem estes livros até Locksley. Lady Bethany os encomendou.

— Ahhh.... — foi o que apenas consegui dizer, enquanto Jack pegava o pacote e assentia.

O maldito padre olhou para mim e, sorrindo, deu uma piscadela.

GillianWhere stories live. Discover now