A Torre II

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Lady Bethany era uma pessoa sensível. Em um instante percebeu que havia algo de errado entre nós dois e, apressadamente, interveio:

— Vou pedir para que um valete leve vocês até o aposento de hóspedes. É melhor tirarem o pó da estrada e descansarem um pouco, antes da refeição.

A seguir, ela fez um sinal de mão para um garoto que aguardava ao longe, e este correu para obedecê-la.

O valete conduziu eu e Jack para o aposento. O mesmo que eu ocupara com Thiago.

 A lembrança dele me deixou ainda mais culpado. Desabei nas almofadas diante da lareira e fiquei ali, olhando para  o fogo com um olhar perdido.

Assim que o valete nos deixou a sós, Jack se voltou para mim e indagou em tom furioso:

— Quando pretendia me contar sobre o casamento?

— Eu juro que tentei... — murmurei, sem coragem de encará-lo, torcendo nervosamente as mãos sobre o colo.

— Tentou? Não me lembro disso...

Por fim, virei-me para ele.

— Qual o problema? — retruquei irônico. — Você não esperava que um dia fosse se casar comigo, não é mesmo? 

O rosto dele, sempre tranquilo, se contraiu em uma máscara de fúria.

— Você pode viver uma mentira se quiser! — ele vociferou. — Mas não deveria ter me arrastado para ela!

— Elise não é uma mentira... — retruquei, começando também a me irritar. — Eu gosto dela! Ela é minha amiga! E talvez não se importasse se nós dois continuássemos a nos ver depois do casamento.

Não devia ter sugerido isso. Jack empalideceu e me fitou como se o próprio Lúcifer houvesse se materializado diante dele.

— E quem é Thiago? — A voz dele era gelada.

Eu me ergui e, finalmente, tive coragem de confrontá-lo.

— Meu amigo... E amante, é claro! — Ergui uma sobrancelha, fingindo que aquilo não tinha importância.

— E onde ele está agora?

— Em Hastings. Quando parti, Thiago não quis vir comigo, porque sua família deve dinheiro ao meu pai. Então, ele preferiu ficar lá.

— Você o deixou para trás... — Jack comentou, e os olhos dele cintilaram de desprezo.

Eu balancei a cabeça, negando.

— Ele me deixou partir. É apenas uma questão de ponto de vista. Que culpa tenho se ele decidiu assim?

Jack somente torceu os lábios em resposta.  Parecia cada vez mais decepcionado com minhas palavras. Depois, chegou mais perto e me encarou fixamente.

— E você ainda o ama?

Abri a boca para dizer não. Mas, de súbito, a imagem de Thiago naquele mesmo aposento surgiu em minha mente, junto com um aperto dolorido no peito.

— Eu não sei... — hesitei, confuso. E após uma pausa, continuei: — Acho que ainda o amo. E amo você também!

Jack cerrou os punhos e bufou, completamente encolerizado.

E acompanhando o protesto dele, uma voz cheia de espanto veio da porta da antessala:

— Você ama Thiago? E Jack?

Surpreendidos, ambos voltamos para ela. Elise estava ali parada de boca aberta e olhos arregalados.

— Elise? — Eu dei um passo na direção dela e ergui a mão para tocar seu braço.

— Eu achei que me amava! — Ela deu um passo para trás, fugindo de meu contato. — E que estava feliz em se casar comigo!

Eu parei sem saber o que fazer. Tanto ela como Jack me encaravam com olhares horrorizados, como se eu fosse a pior pessoa do mundo. O que talvez fosse verdade.

Em defesa, fingi um sorriso sarcástico.

— Bem... Já que os dois estão aqui, vou deixá-los a sós. Podem conhecer um ao outro... Quem sabe no futuro iremos nos divertir juntos? — sugeri de um jeito bastante maldoso e, sem esperar por mais protestos, saí da antessala mais rapidamente do que se fugisse de um enxame de abelhas.

Sem rumo, corri pelos corredores. Ao final de um deles havia uma escada que subia em caracol, e eu segui por ela até chegar ao alto, em um patamar a céu aberto.

Olhei para os lados. Estava em uma torre, a mais alta do castelo. A paisagem se descortinava ao meu redor - a vila de Locksley, um lago, colinas baixas, pastos e florestas. Seria belíssimo se eu não estivesse me sentindo péssimo.

Suspirando profundamente, sentei-me com as costas apoiadas na amurada baixa. Escondi o rosto entre as mãos. Meu peito doía e minha alma rodopiava em uma terrível tormenta.

Dissera a verdade a Jack. Eu o amava. Mas também não havia deixado de amar Thiago. Ainda assim, eu o abandonara sem nem mesmo duvidar do que estava fazendo.

Uma brisa gelada soprou, embaralhando meus cabelos, e me fazendo lembrar que em mais alguns dias estaríamos no meio do outono. Quanto tempo eu passara com Jack em Londres?

As semanas haviam corrido tão rápido que eu mal me dera conta. Enquanto isso, Thiago continuava em Hastings. E se meu irmão não tivesse parado de maltratá-lo?

Deveria ter feito estas perguntas antes... Entretanto, parte de mim não queria saber, não queria mais pensar nele.

E Jack? Eu mentira para ele o tempo todo sem nenhuma espécie de arrependimento.

A expressão de desapontamento no rosto de Jack não me deixava dúvidas do que ele pensava sobre mim. Eu não era apenas um mentiroso por não ter contado nada! Era também alguém que deixava um amigo para trás sem nem mesmo pensar duas vezes.

Continuei ali por muito tempo, com a cabeça enterrada nos joelhos. Quando finalmente ergui os olhos, o sol já descera no horizonte e as nuvens tingiam-se de dourado e violeta, iluminadas pelos últimos raios. 

Eu estava gelado e chorava, infeliz e decepcionado comigo mesmo.

Coloquei-me de pé. Sentia-me desesperado, meio enlouquecido, sem saber o que fazer e com muita raiva de quem eu era. Voltei-me para a amurada. Em minha cabeça, minha mãe estava sentada lá e me chamava.

Devia ter sido eu ao invés dela... Uma vozinha soprou em meu ouvido. Assim todos seria mais felizes.

Eu sabia que a voz era parte de minha alma; a pior parte, aquela que gostava de maltratar a mim mesmo. Mas os olhos de Jack e de Elise me condenando não me deixavam. E sem pensar, eu subi na amurada e olhei para baixo.

Era bastante alto. No entanto, a queda demoraria apenas alguns segundos... Ou será que o tempo correria de maneira diferente e poucos segundos pareceriam uma eternidade? Inclinei-me levemente.

Meus olhos se detiveram pela última vez no céu avermelhado pelo poente. O mundo parecia mostrar sua beleza apenas como uma tentativa de me fazer desistir.

Uma rajada de vento soprou mais forte e quase me desequilibrou. De súbito, meus músculos estremeceram e ficaram tensos. Meu corpo rebelava-se involuntariamente contra o que eu pretendia fazer. 

O medo me golpeou como um martelo. Gotas de suor surgiram na testa e minha garganta começou a doer.

Olhei de novo para baixo. As pedras do pátio pareceram subir ao meu encontro. Vamos! O que está esperando?, desafiei-me. O mundo seria bem melhor sem minha presença.

Não seria difícil. Só um passo, um pequeno passo para frente e...

Nota da autora: Parte bem triste. Mas quem já leu Sobre Amor e Lobos já estava preparado para ela. Vamos ver como Gillian se saí dessa.

GillianWhere stories live. Discover now