O Duelo

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Em um canto do pátio, eu me preparava. Haviam trazido minha armadura, e Thiago ajudava-me a vesti-la sobre a cota de malha e a túnica. Ele deveria estar contente por eu ter partido em sua defesa, mas ao contrário, tinha uma expressão ofendida, com lábios contraídos e olhares indignados.

Eu, nervoso, irritava-me com isso.  Permanecia em silêncio enquanto ele afivelava as correias de couro que prendiam as partes de ferro em meu antebraço e peito, de um jeito um tanto rude.

Do outro lado do pátio, podia ver meu irmão aprontando-se para o duelo cercado pelos escudeiros e cavaleiros de Hastings. Todos me encaravam como se eu fosse um verdadeiro inimigo, estranho àquela casa. E eu, de fato, começava a me sentir como um.  Se alguma vez duvidara de que minha presença ali era indesejada, agora tinha certeza.

Aquele não era mais o meu lar.

Talvez eu já soubesse disso, mas antes era apenas uma ideia vaga, um sentimento que preferimos deixar oculto nas sombras da alma e não queremos trazer a luz por ser demais dolorido. Contudo, ele agora se mostrava a todos. 

Eu era odiado, indesejado por minha própria família... Talvez fizesse bem em perder o duelo, deixando Francis acabar comigo de uma vez por todas.

— Qual o problema? — por fim, esquecendo meus pensamentos sombrios, voltei meu olhos para Thiago que bufava impaciente ao meu lado.

— Você não deveria lutar por mim! — ele exclamou, contraindo a testa e encarando-me com uma expressão indignada. — Por acaso sou uma donzela em apuros que precisa ser defendida por um cavaleiro?

Aquilo me fez sorrir. A ideia era engraçada, e Thiago, extremamente orgulhoso, com certeza preferia as chibatadas e a falência familiar.

— Dê-me uma prenda... — ironizei. — Um lenço ou um anel para que eu me lembre de você durante o duelo, como as donzelas costumam fazer com seus preferidos.

Thiago cerrou o cenho.

— Que o Diabo o carregue, Gillian!

Ri alto. Depois, sentindo-me mais animado, peguei minha espada que deixara de lado e a enfiei na bainha presa ao cinto.

Haviam me trazido um corcel de batalha. Outro escudeiro segurava as rédeas do animal, esperando que eu montasse.

Coloquei o elmo na cabeça, pisquei para Thiago e subi na sela. O escudeiro entregou-me a lança e o escudo, prendendo o último ao meu braço. E assim, pronto para uma batalha, puxei as rédeas e fiz meu cavalo virar-se para enfrentar meu maior inimigo, meu próprio irmão.

Ele também já estava pronto. Armado com escudo e lança, o corcel raspando as patas nas pedras do pátio e resfolegando impaciente.

Desci a viseira do elmo e apontei a lança na direção dele. Ele fez o mesmo.

Meu coração explodia no peito e minha garganta se fechava. Devia odiar Francis, mas de súbito a raiva havia passado. As recordações dos breves momentos onde havíamos rido juntos  e de como eu o admirava quando ainda éramos muito pequenos vinham à minha mente.

Hesitei, baixando um pouco a lança. Ouvi risadas. Certamente pensavam que eu era um covarde... Mordendo os lábios, crispei a mão na arma e a ergui.

Com um berro, Francis instigou seu cavalo e investiu em minha direção. Sem outra saída, o imitei. 

Cavalgamos velozmente, e nos encontramos no meio do pátio, lanças apontadas para os peitos um do outro. As pontas atingiram os escudos com um som grave de trovão e estilhaçaram-se em farpas de madeiras que voaram para o alto.

GillianOnde histórias criam vida. Descubra agora