ATTRACION - Série Simetria Perfeita
Era noite de magia, em que se cumpriam ritos secretos para celebrar o amor... Um amor a muito tempo perdido e buscado por uma bruxa e um guerreiro. Um ser imortal e um humano, perdidos dentro das linhas do tempo.
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"SÃO AS DIFERENÇAS QUE FAZEM O CASAL PERFEITO"
Apenas Meia-Noite permaneceu na cozinha. O gato costumava passar as manhãs cochilando e vendo os passarinhos no jardim, mas naquele dia encontrava-se inquieta e percorria o aposento em intermináveis círculos. O instinto a deixara alerta; sentia uma presença estranha intrometendo-se em seu espaço.
O animal parou junto à sua vasilha de água, lambeu um pouco com os olhos sempre atentos e, de repente, levantou a cabeça e ergueu as orelhas. A xícara de café subira no pires e levitava no ar. Ele agachou-se em prontidão, ameaçando o intruso invisível.
Serafim Abraxos ignorou o gato enquanto cheirava a xícara. Tomou um pequeno gole do resíduo que ficara no fundo, experimentando o sabor.
— É, tem um gostinho meio estranho. — Ele decidiu, limpando a boca com a manga de sua vestimenta.
Os olhos do gato estreitaram-se até se tornarem duas linhas, e ele recuou, sem deixar de fitar na direção do ser celestial, quando viu a xícara voltar a seu lugar sobre o pires.
— Não precisa ficar com o pêlo arrepiado, colega. Acredite que eu também não estou dando pulos de alegria por me encontrar aqui.
Meia-Noite continuou ronronando baixinho e golpeou o ar, com as garras à mostra, na direção do anjo.
— Pode protestar à vontade. Eu tenho que dar uma espiadinha por aqui. — Serafim Abraxos comeu uma salsicha que sobrara na panela e lambeu os dedos engordurados. Quando avistou a chaleira, seu rosto se iluminou pela primeira vez desde que chegara de volta a Terra. — Um pouquinho de chá bem que iria esquentar meus milenares ossos. — Disse feliz. Porém, para sua decepção, a água já estava gelada. Ele tirou a boina e o bateu na coxa. — Mas nem uma xícara de chá eu posso tomar?
Meia-Noite sentiu o deslocamento de ar e refugiou-se em um dos cantos da cozinha.
— Que gato mais assustado. — O anjo sabia que seu comportamento era totalmente inaceitável, mas o mesmo se poderia dizer das condições que havia encontrado na Terra até o momento. Estava com frio, com fome e com sono. Para começar, havia esquecido suas rações de viagem, que incluíam um suprimento de um mês de suplementação energética e, assim, ficara sem nutrição. Depois, a viagem fora incômoda e barulhenta, não o deixando nem sequer cochilar até chegar a Évora de madrugada. Para completar, não pensara em verificar a temperatura antes de partir do clima perpetuamente perfeito do Céu e não colocara na mala nada mais quente do que roupas de verão. Como os guardiões de nível dois encontravam-se em um período de transição, não desfrutavam das mesmas imunidades dos anjos de nível um, que estavam muito além das fraquezas humanas e não sentiam calor, cansaço ou fome nem ficavam sujeitos a incômodos e doenças. Serafim Abraxos, porém, sentia-se congelar e os espirros já ameaçavam importuná-lo. Definitivamente, não estava de bom humor. E quando ele ficava de mau humor, costumava reverter a seus maus hábitos do passado, como vangloriar-se, ficar rabugento e praguejar.
