"Sonhos"

536 60 2
                                    

Sem palavras?
Definitivamente eu estava.
O assunto sobre minha intimidade saiu de pauta assim que as crianças insistiram em começar a querer conhecer mais a nova "vovó", como já a chamavam, e apenas alguns olhares curiosos e quase imperceptíveis rolavam minuto a outro entre o maior e eu.

Enquanto a mim faltavam palavras para mais tópicos, mamãe por outro lado, passou um bom tempo contando histórias ao meu chefe e os meninos, tanto que eu em algum momento adormeci. Fui despertada pela sensação estranha de estar longe do chão.

— Tudo bem, tudo bem. Estou te levando pra cima, esta tarde, volte a dormir. — Maurício De La Torre dizia ao pé de meu ouvido.

Mesmo com as minhas pálpebras querendo descansar, eu lutei e permaneci semi-desperta até que ele me deixou na cama do quarto de hóspedes.

O observei tirar meus sapatos, desdobrar a coberta e cobrir-me com a mesma. Era quase como sonho muito irreal, juraria estar tendo uma alucinação se não fosse por que ele, antes de sair do quarto, me deixou com a ordem de fechar meus olhos.
Sabia que era exatamente Maurício De La Torre, porque meu chefe adorava me dar ordens e se aquele fosse o meu sonho, com toda a certeza ele não as daria. Certas vezes eu sonhava em prendê-lo na cama, amarrá-lo, amordaçá-lo e então eu…

— Mamãe! — A voz de Maxwell chorando me tira dos meus devaneios.

Eu pulo da cama e corro para o quarto ao lado.
Quando abro a porta, encontro o garoto em lágrimas. O abraço e me sento com ele na cama.

— O que foi bebê?

— Mamãe, tá iculo… — Ele reclama e realmente vejo que o quarto está um breu.

Logo depois disso ouço o pai do pequeno subir as escadas e mais do que depressa ele já está frente a nós dois.

O pai o pega nos braços, brinca com o pequeno e procura por todo o quarto pelos monstros dos pesadelos. Quando Max se convence de que o lugar é seguro, finalmente se deita pra dormir e depois do pai lhe contar duas histórias, o garotinho por fim adormece.

— Agradeço que tenha vindo assim que ele gritou. — Meu chefe diz arrancando-me a surpresa pela gratidão.

— Não foi nada.

— Claro que foi Amanda, mesmo que pra você não pareça.

A sua voz era diferente do tom habitual, frívolo e direto. As palavras pareciam carregadas, o rosto apesar de muito bem mascarado com neutralidade, naquele momento se notava pensativo e nada nele emitia sinais de estar bem depois de colocar o filho para dormir.
Presumi ser o cansaço do dia, as coisas não foram fáceis no escritório e se dormíssemos talvez o dia seguinte seria melhor. A final de contas seria segunda, e eu teria meu merecido descanso.

— Senhor, eu melhor volto para o quarto de hóspedes. Boa noite. — Digo em despedida, dou uma última olhada em Max e então me dirijo para fora do quarto.

— Boa noite, Amanda. — Ele me diz assim que passo pela porta.

Desapareço para dentro do quarto de hóspedes o mais rápido que posso.

Voltar a sentir sono não é uma tarefa fácil quando se leva em consideração tudo o que eu havia passado nas últimas setenta e duas horas, porém me forço a fechar os olhos e me concentro em acalmar meu ser até que enfim a sonolência toda conta.

Tudo parece relaxante ao meu redor, sei que estou sonhando porque diante dos meus olhos está o rosto de papai. Estou sentada em seu colo no qual me recordo ser o dia que fomos ao seu último exame. Ele me diz aquilo outra vez:

— Então você é a macaquinha do papai? Não pode ficar escalando a cadeira de rodas assim.

— Eu quero sorvete papai! — Aponto para a máquina de fest food na ponto do corredor da sala de espera.

— Se você se comportar e prometer não contar à mamãe que viemos ao hospital, vou comprar um sorvete com uma bola bem grande pra você. O que acha? — Papai me suborna com o que eu mais gostava de tomar quando criança.

Eu assinto, deixo de sapecar ao seu redor e subo em seu colo. Fico quieta durante o tempo que esperamos, fico quieta também enquanto a estamos na consulta. Ganhei meu sorvete, porém, ao invés de estar feliz como sei que realmente fiquei naquela tarde, em meu sonho desta vez papai me entrega a bebida gelada eu o questiono.

— Sabe que esse sorvete não vai secar minhas lágrimas quando você morrer, não é?

𝐕𝐢𝐯𝐞𝐧𝐝𝐨 𝐮𝐦 𝐝𝐨𝐜𝐞 𝐜𝐥𝐢𝐜𝐡𝐞̂ 𝐜𝐨𝐦 𝐨 𝐦𝐞𝐮 𝐜𝐡𝐞𝐟𝐞 - IncomplWhere stories live. Discover now