Capítulo 53

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Cristal

Caminho ao lado de Raven até o jardim de tulipas, cada lado é uma cor diferente, todas estão enfileiradas e algumas partes até devem fazer um desenho de cima.

Raven —o que é tão difícil de aceitar na morte? Um dia isso chega para todos, naturalmente ou não, mesmo imortais conseguem ser mortos, então aceitar que isso um dia pode acontecer é algo que todos devem ter na cabeça— sendo o Deus da morte não é estranho o fato de ser tão realista e aceitar como as coisas são, mas....

—morrer, eu não costumo pensar nisso todo o tempo, ninguém costuma esperar por isso mesmo que saiba que uma hora vai chegar. Queria alguma informação para me consolar, me fazer aceitar que talvez não seja ruim apenas morrer—  seria tão mais fácil parar de pensar no que deixarei para trás com isso.

Raven —posso mostrar para onde sua alma irá depois de sua morte, mesmo que isso seja um pouco contra as regras, fique invisível e esconda sua aura de poder— só faço o que mandou sem questionar muito —me siga.

Apenas sigo atrás dele até uma escadaria que leva para dentro do castelo, passamos por várias salas só que dessa vez essas tem portas,  algo para esconder provavelmente.

—Raven, você um dia já sentiu que não poderia fazer seu trabalho por achar injusto? Por talvez não conseguir?— não estou perguntando por achar que pode me polpar, pois sei que não faria isso em nenhuma situação.

Raven —sinto que é injusto muitas vezes, mas ainda assim faço meu trabalho. Sobre achar que não poderia já aconteceu uma vez, com um bebezinho abandonado em uma floresta, estava sozinho e sem ninguém em meio a lobos e raposas, seria devorado, mas eu poderia acabar com a dor dele apenas o levando antes, mas pelas regras tive que esperar a criança morrer de fome, tudo por que as crenças daquele povo colocavam crianças diferentes como demônios. A criança ficou em silêncio olhando para o céu até seu corpo gelar e sua respiração parar— então ele tem que observar a morte acontecer naturalmente na maioria das vezes antes de recolher a alma.

—você tem pena de crianças, parece que seu coração não é tão frio quanto pensei que fosse— digo abrindo um sorriso enquanto olho para seu rosto mau humorado.

Raven —gostando ou não de crianças isso não muda meu trabalho, preciso colher almas, trago a morte apenas por existir— pelo tom de voz firme já está acostumado com tudo, acho que nunca conseguiria me acostumar a trazer a morte a crianças.

—se um dia tiver filhos, vai conseguir olhar para eles sem pensar nas almas de todas as crianças que colheu?— eu tenho essa dúvida, se ele não sente o peso de todas as vidas no dia a dia.

Raven —depois de muitos séculos começa a se acostumar, a parar de se importar, logo se torna um trabalho que você apenas quer terminar logo. Esse é um detalhe que provavelmente não sabe, mas deuses são perfeitos demais para se reproduzir, éramos para sermos eternos então não precisaríamos aumentar nossa espécie— é tão estranho pensar que ele tem uma vida sem livre arbítrio.

—não se sente bravo por não poder ter filhos? Por não poder escolher quem morre ou não?— eu nunca conseguiria aceitar tal coisa sem questionar antes.

Raven —eu já cheguei a pensar nisso, mas acho que é melhor não sermos férteis, não me imaginaria criando um filho para dar o mesmo fardo que carrego com tanto peso, somos eternos, pelo menos era para sermos, ter que seguir regras é o único problema que a maioria não gosta, pois são muito rígidas— diz parando em frente a uma porta, vejo ele tirar uma chave que estava presa em seu pescoço para abrir.

Vejo ele entrar na sala, faço o mesmo cautelosamente, sinto um mau pressentimento, como se não fosse para eu estar aqui, o que realmente é verdade.

Fico paralisada ao ver uma enorme biblioteca cheia de livros, o lugar é extremamente limpo e sem nenhum grão de poeira, mas ainda assim da para ver que é antigo, pois tem uma fileira de estandes que parece não ter fim.

—essa é o lugar onde o Deus do destino escreve nossas histórias?— pergunto extremamente curiosa.

Raven —não exatamente, esses livros contam a história de quem já partiu, pois estão concluídos. Por que a curiosidade, quer ler a história de alguém? Nós deuses podemos passar nosso tempo lendo esses, pois livros de ficção escritos por humanos não nos agradam, mas histórias reais mostram como vocês são por dentro, sem a máscara falsa que usam diariamente— ele acham que humanos são monstros, mas nem todos são assim.

—me pergunto se também pensa assim sobre anjos— digo e ele abre um sorriso estranho.

Raven —se você soubesse o que os anjos realmente almejam ficaria abismada— agora fiquei curiosa, queria ler um livro sobre anjos.

—posso saber o que exatamente quer me mostrar, "Deus da morte"— digo a última parte com um tom diferente.

Raven —apenas continue me seguindo— Quando saímos do corredor de livros entramos em uma sala toda branca, ela tem várias mesas quadradas e brancas com livros abertos em cima, mas o que está me deixando impressionada é o fato de ter canetas cinzas e prestas escrevendo sozinhas como se fosse mágica.

—quem é que está controlando as canet......— paro de falar ao ver um adolescente com cabelos brancos, ele tem uma franja e um cabelo mais longo descendo para trás, seus olhos são de um azul marinho brilhante, seus lábios são sem cor.

Raven —como está Hiro, espero que sua cabeça não esteja doendo muito pelas informações— diz indo até o garoto e bagunçando os finos cabelos lisos dele.

Hiro —só estou um pouco cansado, mas vou descansar quando puder, sei que não é da minha conta, mas o que faz com uma mortal aqui? Sabe que consigo ver e sentir a menor das presenças— o olhar do garoto mudou, sinto uma presença extremamente assustadora vindo dele.

Raven —eu estou de olho nela, não vai mexer em nada, se ela for fazer isso já pode me avisar, sabe o destino das pessoas— esse pirralho é o Deus do destino?

Hiro —sabe que não posso falar nem mesmo para deuses, mas deixe ela bem longe do livro dela para não ficar atiçada a olhar, é contra as regras, além disso, ela acabou de me chamar de pirralho mentalmente— só olho para cara do garoto seria, mas ele leu minha mente.

Raven —tenha mais respeito, garota, ele é um dos deuses mais importantes,  não pense blasfêmias perto dele— ele falou isso como se fosse uma bronca, mas sem o tom de voz rígido.

Hiro —só vai para onde tem que ir— diz virando seu rosto enquanto caminha até um trono acolchoado.

Vejo que Raven só continua seu caminho pelas portas sem dizer mais nada.

Entre Mundos (Deuses Elementais)Where stories live. Discover now