Capítulo 20 - Vínculo

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Merida*

Segurei firme as mãos suadas de Soluço, olhando aflita para o rosto dele, mas sentindo um alívio enorme por ter dito tudo o que eu estava guardando há muito tempo.

Ah, deuses. Eu sou a Silena Beauregard das Caçadoras, mas ao contrário dela, eu não vou me passar por heroína no final das contas. Se alguém descobrir isso, eu vou ser lembrada para sempre como a vergonha de Ártemis.

Eu já ouvi histórias de Caçadoras que quebraram seus votos com a deusa da caça. Calisto foi uma das azaradas, que acabou sendo transformada num urso. Já imaginou, eu, um urso horrendo como Mor'du?, um calafrio sacode meu corpo e afasto a ideia da cabeça.

- Ahnn... - Soluço resmunga, acordando. - Merida...

- Estou aqui, fica calmo - digo, levantando para alcançar o cantil em cima da mesinha e voltando para onde ele está jogado em cima de um saco de dormir. - Aqui, bebe isso, é néctar. Rapunzel mandou eu te dar assim que acordasse.

Ele franze o cenho enquanto coloco o cantil nos seus lábios, piscando forte enquanto abre os vívidos olhos verdes para me focar.

- Tá melhor agora?

- Estou, mas eu... - Ele se põe sentado e tira as cobertas de cima dele de vez, arregalando os olhos de susto ao notar que a perna esquerda não está mais ali. É como se o ar escapasse de seus pulmões enquanto ele mantém os olhos vidrados no coto remendado, a boca entreaberta não emite som até que ele diga por fim: - Ah, caramba.

Fico paralisada. Nem sei o que falar. Acho que eu não sou a pessoa que deveria estar aqui quando ele acordasse.

- Soluço...

- A minha... A minha perna...

- Olha, eu sei que parece ruim, mas...

- Tá brincando?! Se eu já era um manezão desastrado com as duas pernas, imagina agora! Como é que eu vou lutar nesse estado? Ah, meu Hefesto! - Ele esconde o rosto entre as mãos, soltando um rosnado grave.

- Qual é, Soluço?! Não fica desse jeito, essas coisas acontecem com grandes guerreiros e soldados. - Dou um soquinho leve no seu braço, tentando animá-lo, sem sucesso. - Sua vida não acabou.

Mas o que eu disse não adianta muito. Transtornado, ele tira as mãos da frente do rosto e passa os dedos pela bagunça dos cabelos castanho-acobreados, revelando olhos avermelhados cheios d'água. Oh, não! Por todos os deuses, que ele não comece a chorar agora, eu não sei lidar com garotos chorando!

- Como foi que isso aconteceu? - Ele pergunta, engolindo seco, segurando o choro.

Conto tudo em detalhes. Falo sobre Mor'du e sobre o plano que eu e Rapunzel bolamos - tirar todos os filhos de Apolo daqui para que a loira pudesse trabalhar nele com os seus cabelos, sem que ninguém descobrisse os seus poderes curativos (ela ainda tem medo de que a maldição de Delos desperte a cobiça de pessoas tão ruins quanto Gothel). Depois, conto que graças à façanha dele com os dragões, todo o plano saiu bem melhor do que esperávamos.

- E decidimos que em algumas horas nós vamos voar para o Texas. - Finalizo. - Precisamos de você para cuidar dos dragões.

Soluço fica olhando para um ponto fixo no vazio com uma expressão melancólica, quase como se nem estivesse me ouvindo. Por fim, ele fala sem muito entusiasmo:

- Pode me levar lá pra fora? Quero um pouco de ar fresco e também quero ver os dragões.

- Eu não acho uma boa ideia...

- Por favor - ele interrompe -, eu preciso sair daqui, Merida.

Minha cabeça pesa para o lado e acabo rolando os olhos, concordando a contragosto:

Solstício de InvernoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora