Capítulo 33 - A Brecha na Armadura

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Elsa*

O sonho começa como qualquer outro sonho. Sem sentido, nebuloso. E sendo semideusa, eu já espero que as coisas comecem a ficar esquisitas.

O sol mal consegue perfurar a manta cinzenta de nuvens enquanto a embarcação fantasma vaga sem destino por entre as fileiras de icebergs no mar gelado. Olho ao redor e caminho pelo convés, me debruçando na amurada, os cabelos bagunçados pelo vento frio — frio demais até pra mim, numa versão sombria e pacífica da embarcação que naufragou com a minha família.

— Tem que admitir que é lindo. — A voz cristalina e gélida me petrifica no lugar e minha barriga esfria.

É a voz de Quione.

Meu ritmo cardíaco acelera de repente, fazendo com que meus dedos comichem e uma fina camada de gelo se espalhe pela amurada onde agora estou me apoiando graças aos meus joelhos bambos.

— Eu diria que é trágico. — Digo por fim, os olhos perdidos na linha do horizonte porque sou incapaz de encarar a deusa da neve.

— Lindo e trágico, assim como a filha de Quione.

Solto uma risada sem humor.

— Que poético.

Me viro para olhar o rosto da deusa e por uma fração de segundo meu coração para. Seu olhar glacial tão magnético que sinto até minha alma começando a congelar. Nos longos cabelos escuros, um arco de diamantes duros como os olhos, castanhos e sem calor, como um café gelado.

— O que foi? — Ela caminha elegantemente até mim, a toga grega esvoaçante da mesma cor pálida da pele. — Não sou o que esperava?

Pisco, saindo do topor.

— Quando falam sobre você, me fazem imaginar um monstro horrível, mas... Acho que é a deusa mais linda que eu já vi.

Ela abre um meio-sorriso.

— Está falando como o seu pai.

A menção do meu pai me dá um misto de tristeza e saudades. E noto que acontece o mesmo com Quione, seu olhar parece perdido no oceano atrás de mim.

— Sei que está achando incrível estar apaixonada, Elsa. Você sente uma fagulha, um calor nas suas veias. — Ela inconscientemente aperta o punho no meio do peito, um traço de angústia nos olhos. — Mas o calor, o fogo nunca foi da nossa natureza. E por causa disso, eu me dei conta de que basta que exista uma chama para alguém se queimar.

Fico em silêncio pelo que pareceram éons, digerindo aquilo e tentando entender de que forma Jack poderia me machucar se tudo o que ele tem feito até então foi me proteger.

— Você já se queimou alguma vez?

Quione parece ter sido pega desprevenida, piscando assustada, mas não foge da pergunta, limpando a garganta.
— Só uma — confessa devagar —, por um mortal.

— Você foi abandonada?

Definitivamente, eu devia ter mordido a língua e ficado quieta, a divindade parecia prestes a enfiar estacas de gelo nos meus olhos.

— Até parece! Eu sou uma deusa, nenhum mortal em sã consciência teria a ousadia de fazer isso, eles se jogam aos meus pés!

— É claro, eu não tive, hã... A intenção...

— Ninguém "me abandonou", humpf! — Ela revira os olhos como a adolescente que parece ser agora. — Deuses e mortais são proibidos de permanecerem juntos, proibidos por Zeus de formarem família. Por isso declarei guerra ao Olimpo e fiquei do lado dos titãs e depois ao lado de Gaia. Eu estava com tanta raiva e sentindo tanta falta do seu pai que eu queria poder substitui-lo por uma estátua de gelo de Jason Grace. — À essa altura, flocos de neve começaram a cair tristemente ao redor de Quione. — Eu não estou dizendo que Jack fará algum mal a você, pelo menos não necessariamente. Estou dizendo que o que está sentindo é a brecha em sua armadura e essa brecha vai fazê-la escolher as opções erradas e fazê-la tentar curar suas feridas com estátuas de gelo de semideuses inocentes.

Solstício de InvernoWhere stories live. Discover now