Capítulo 44 - Pesadelo

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Elsa*


Pensei que pelo menos naquela noite eu teria um sono tranquilo. Doce ilusão. Eu já devia ter aprendido que, ultimamente, as palavras "sono" e "tranquilo" só estão juntas se estiverem discordando entre si.

O sol dourado reflete o brilho na superfície fina do gelo que endurece o lago, a neve cobre quase tudo ao redor, se acumula nas árvores da floresta de pinheiros a minha volta. É um pesadelo. Só pode ser. Por qual outra razão eu estaria sozinha, ao lado de Pitch Black, se isso não fosse um pesadelo? Mas no segundo em que faço menção de alcançar Eleutheria, noto que no meu braço não há bracelete algum. Estou desarmada, entretanto, Fobos não parece disposto a me atacar.

— Seu heroísmo não vai te salvar — diz o deus; seus olhos brilhantes fixos no lago congelado à nossa frente. — Nunca salvou os tolos que se fizeram de heróis.

Rolo os olhos e bufo como a adolescente que eu sou.

— Vocês nunca vão me dar uma folga, não é mesmo? Não posso nem dormir em paz.

A risada baixa de Fobos soa como as brisas gélidas que brincam ao passar pelos meus cabelos.

— Desculpe, senti tanto a sua falta que não pude esperar para vê-la no campo de batalha.

Solto um suspiro e meus ombros pesam, cansada demais para discutir. Minha pergunta é como o choramingo de uma criança aborrecida pelo sono.

— O que você quer?

Só que Pitch é um deus e, como tal, incapaz de ser objetivo com uma resposta direta. Ele desvia os olhos de volta para o lago congelado, indicando com o queixo.

— Olhe só para eles — Fobos une as mãos atrás do corpo, complacente.

Dou de ombros.

— Não estou vendo nada.

Mas ouço. Risadas felizes estalam como o quebrar dos galhos que denunciam a presença de duas pessoas correndo em algum lugar dentre as árvores, se aproximando. Um rapaz e uma garotinha — irmãos, com certeza — eclodem em disparada de dentro da floresta para a beira do lago.

— Ainda não entendi o que isso...

— Shh! — Ele me silencia sem tirar os olhos dos irmãos, atento. — Observe.

Eu só queria acordar, mas como sei que isso provavelmente não vai acabar até que o deus do medo consiga me mostrar o que quer, volto minha atenção para a cena. O rapaz é ligeiro em calçar os patins, talvez só não tão rápido quanto a garotinha que já saiu deslizando pelo ringue de patinação. Ela está feliz, rindo e debochando do irmão. Toda aquela energia infantil... Me lembra um pouco Anna.

Eu não presto tanta atenção na menininha, mas no irmão dela. Ele é tão familiar, com aquele cabelo castanho rebelde e o jeito que sacode os ombros ao rir. Por um segundo, ele casualmente para os olhos cor de âmbar bem na minha direção, fazendo meu coração enrijecer e parar, rígido e pesado como chumbo no meu peito.

— Jack... — Seu nome me escapa dos lábios, meus olhos quase saltam das órbitas. — Jack!

— Ele não pode te ouvir — o deus mantém o olhar à frente, inclinando o rosto para mim ao contar tranquilamente —, esse dia está preso no passado e agora nos seus sonhos. Somos sombras no fantasma que é essa lembrança. Diga-me, Elsa, você sabe que dia é esse?

Em choque, movo os meus olhos de volta para os irmãos. Meu estômago esfria e a garganta aperta.

Engulo em seco antes de responder num fiapo de voz:

Solstício de InvernoOnde histórias criam vida. Descubra agora