Capítulo 60 - Solstício de Inverno

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Anna*

A intensidade das minhas últimas palavras se propaga pelo ar com uma pressão esmagadora. Urano forja uma expressão de superioridade no meu rosto, me fazendo estufar o peito e erguer o queixo; O cheiro metálico de sangue fresco que embrulha meu estômago é um agradável aroma para ele.

O primordial abre os meus braços, as palmas das mãos para cima e olhos fixos no caçula da equipe, Hiro, que mantém a raiva queimando nos olhos como o fogo em seus punhos. O Céu esboça um meio-sorriso no canto dos meus lábios, no momento em que a chuva grossa e fria cai das nuvens, rápida em encharcar os cabelos pretos de Hiro – e em fazer um chiado prolongado ao entrar em contato com a sua pele quente, resfriando-a, assim como a espada em chamas agora empunhada por Soluço. Fogo algum tem chance contra o temporal arrasador de Urano. Seus adversários entram cada vez mais em desvantagem.

Vejo uma pincelada de movimento, de um objeto cruzando o espaço entre o arremesso de Elsa e a mão de Jack Frost.

— Use apenas se for necessário — minha irmã não tira os olhos duros de mim. — Apenas se for necessário.

Urano ligeiramente mira o meu olhar no punho fechado do rapaz de fios brancos. Quando os dedos de Jack se abrem, tenho o vislumbre de um pequeno frasco. Sequer tenho a chance de cogitar o que poderia conter ali dentro. Os pensamentos de Urano logo me dão a resposta.

"A Cura do Médico", o primordial pensa consigo mesmo, cerrando meus dentes, intrigado e apreensivo. "A filha de Quione não poderia conceder a bênção de Asclépio para...?".

Meu corpo assume posição defensiva; as tranças ricocheteiam com o vento do tornado em miniatura que me carregava. O ódio de Urano franze minhas sobrancelhas numa carranca ao perceber que Elsa fará Rapunzel beber da Cura, até a última gota. Um misto de tristeza e esperança me invade: o parasita acabou de perder o trunfo que tinha em relação à minha vida.

Ouço os pensamentos do primordial formando o seguinte comando: quebrar o frasco.

Numa fração de segundo, uma explosão de fúria no meu peito faz eletricidade pulsar pelas palmas da minha mão para acertar o rapaz gélido, que desvia do raio mortal no último momento.

— Ei, vento! — E Frost sai voando em disparada.

O primordial solta rosnados animalescos; clarões de raios ofuscam minha vista ao tempo que meus dedos atiram sem parar, tentando atingir o alvo a qualquer custo. O voo de Jack, porém, ainda que consiga livrá-lo da morte, é uma dança confusa e cheia de piruetas, como um avião em pane que oscila em voar e cair ao mesmo tempo. Algo me diz que tem a ver com o cajado partido em dois, ali no chão.

Subitamente, não mais ventanias, e sim um tornado de fogo indomável é o que espirala ao meu redor, obrigando Urano a parar as correntes de ar que me levitavam. Quando meus pés tocam o chão, entendo que Hiro havia transformado as mãos em lança-chamas, disparando contra mim, e o oxigênio do mini tornado que me carregava fez com que o fogo crescesse. Foi o que tirou Jack da mira do primordial.

Viro o corpo para trás, flagrando Hiro me abrir um sorriso de dentes separados.

— Quer jogar queimada?

Urano não ri da piada. Num piscar de olhos, fecha os meus dedos redor do pulso do menino, resistindo aos meus reflexos de retirar a mão queimada pelas chamas que tentam me afastar.

— Não! — Elsa corre com a Foice para impedir, mas já é tarde demais.

Nada supera a velocidade de um raio.

O estrondo trucidante do trovão e o clarão do relâmpago são consequência da descarga elétrica que Urano conjurou dos céus, usando meu corpo como condutor do raio que atinge Hiro. O garoto se debate no lugar antes que seja atirado no chão.

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