Capítulo 34 - Anistia

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Merida*

Se você é uma Caçadora, sabe que nunca deve acordar primeiro com os olhos. Assim, permaneço com as pálpebras fechadas e aguço os ouvidos para qualquer sinal de perigo, ouvindo os relinchos baixos de Angus, que estala folhas secas no chão ao se movimentar em algum lugar ao meu lado, o uivo do vento cortando pelas árvores ao redor. E mesmo por cima do cheiro forte de musgo e lama, consigo sentir o aroma fresco de maçãs perfumando o ar.

Ao tempo em que volto à consciência, percebo que estou sentada, encostada numa árvore nenhum pouco confortável. Estico os meus dedos e minha pele se repuxa, petrificada, rígida.

— Lama. — Semicerro os olhos com uma careta, dando de cara com a casca barrosa que cobre minhas feridas. — Lama curativa...

Dríades gostam de curar com lama... Sátiros gostam... O treinador Hedge..., Minha cabeça dói com uma dor lancinante, incapaz de conseguir raciocinar com precisão. Fico imóvel por algum tempo até me sentir completamente lúcida e começar a levantar, usando o tronco da árvore para me apoiar e tentando me localizar no meio dessa floresta densa.

Angus cata uma porção de maçãs dentro de uma cesta, potinhos de cerâmica com uma mistura de lama curativa estão espalhados pelo chão. Parece que alguém esteve cuidando de mim.

— Mas qu... — Me interrompo ao captar um vulto com a esquina dos olhos.

Automaticamente, minha mão voa para a bainha e, sem encontrar a espada de prata, o desespero cai por cima de mim com um baque.

— Não se preocupe, está segura agora.

Com um sobressalto, viro a cabeça para a origem da voz. Uma garota bonita, não muito mais velha que eu, aparece do nada bem na minha frente. E ela está com a minha espada.

Preciso de todas as minhas energias pra falar, tentando soar mais ameaçadora do que realmente aparento agora:

— Quem é você?

Ela abre um meio-sorriso nostálgico, um daqueles que a gente dá quando olha pra alguém que lembra alguma coisa de um passado distante.

— Meu nome é Calisto.

Meu sangue gela.

Calisto, Um choque percorre minha espinha e me deixa petrificada no lugar. A Caçadora que foi transformada em urso por ter quebrado os votos com Lady Ártemis.

Ela arqueia uma sobrancelha, como se debochasse da minha cara, e solta uma risada ao perguntar:

— Você não vai falar nada?

Mas o que eu podia falar?! Que é muita ironia do destino, me botar cara a cara com o que irei me tornar se continuar insistindo em querer quebrar meus votos por um cavaleiro de dragões que não faria o mesmo por mim?

Isso me frustra.

— O que você quer aqui? — Meu tom é acusatório.

— Não é preciso ficar na defensiva, Merida.

— Como sabe o meu nome? — Meus olhos procuram por qualquer coisa que possa ser uma arma.

— Sei seu nome porquê vim ajudá-la.  — Calisto calmamente entrega minha espada, fingindo ignorar minha desconfiança ao pegá-la. — E também sei que conhece a minha história, semideusa, qualquer Caçadora de Ártemis conhece. Eu quebrei meus votos com a Caçada quando caí nos braços de Zeus. Eu fui uma tola e Lady Ártemis me condenou a passar a eternidade na pele de uma ursa.

Solstício de InvernoWhere stories live. Discover now