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–  Ele espera por você, senhorita. – Cuspiu o mordomo, fazendo-me levantar sobressaltada.

Ele avaliava-me como a um chaveiro, um brinde descartável e inútil. Encolhi os ombros diante de suas expectativas, ou melhor, de seus preconceitos. O silencio zumbia alto em meus ouvidos, enquanto o medo embrulhava meu estômago. Deslizei minhas mãos pela camiseta branca amarrotada e rapidamente acertei o eixo da calça jeans, completamente arrependida de ter escolhido o Allstar.

             Respire, Abe. Respire.

            Caminhei insegura, experimentando o piso plano e brilhante sob meus pés. A casa era como uma pérola polida. Tudo ali me parecia velho, caro e raro. Era praticamente um museu ilegal e particular de obras de arte, cadeiras talhadas e candelabros lustrosos. Meus olhos correram até a escada de mármore branco no hall, perguntando-se que belezas os andares superiores escondiam de nós, meros mortais. O que quer que fosse não era para gente como eu.

            Podia conferir minha expressão de pânico refletida nos espelhos. O cabelo preto estava descuidadamente espalhado pelos ombros e costas e os olhos castanhos claros emolduravam-se por olheiras leves. Parecia terrível como meu rosto pálido deixava claro meu medo. Idiota.

            Seguia os passos do serviçal pelo hall sem fim. Tudo era branco, límpido e cintilante, uma clara tentativa sem êxito de mascarar os fantasmas daquele lugar. Perguntava-me o quanto de horror aqueles retratos e pinturas haviam presenciado ao decorrer dos anos. Aquela casa reprimia, intimidava.

            Paramos diante de uma porta em uma sala ao lado, após o hall. As luzes brilhantes no teto afogavam minhas esperanças. Sabia que misericórdia era uma ideal inalcançável, mas algo dentro de mim se inquietava espremendo de algum lugar esperança. Ele me convocara, recebera-me como a um convidado em sua mansão e estava disposto a dialogar. Se por algum acaso houvesse alguma mesmo que miserável chance de que pudesse renegociar a dívida... precisava apenas de um prazo maior. Iria pagar cada centavo que lhe cabia.

Fechei as mãos suadas, escondendo-as dentro dos bolsos. Desejava não tremer tanto quanto tremia e muito menos suar tão frio. Sabia que o homem que me esperava do outro lado da  porta imponente era perigoso. Muito mais perigoso que eu poderia supor. Agiotagem era apenas um de seus ramos e talvez o mais brando. Não queria supor os demais e muito menos que me aconteceria se não tomasse cuidado com as palavras, se não honrasse o compromisso de meu pai. Não sabia até que ponto aquele homem era confiável e tolerante.

Um calafrio me ocorreu.

Droga, não pareça tão assustada!

A porta foi aberta revelando um escritório em tons pasteis e marrons. Era um conjunto de estantes repletas de livros e poltronas aconchegantes. O ar-condicionado estava operando no máximo  e grandes cortinas espessas dramatizavam o lugar. No fundo da sala havia uma mesa repleta de anotações, cadernetas e um computador caro. Atrás dela um homem digitava com velocidade escondido pela tela enorme da máquina.

– Dom. Accio, ela está aqui. – Anunciou o mordomo de mau grado.

Arfei, sem ar. Não o encare, Abe.

–  Grazie, Brian. – Murmurou em um sotaque rouco e baixo. A voz borbulhou o sangue me minhas veias. –Está dispensado.

Então eu o vi. E desejei nunca ter-lo feito.

Dom Accio se levantou, desafiando-me com um olhar afiado, intimidador. Ele era tudo que não esperava. Não havia o terno com riscas de giz, os sessenta anos de crime e o bigode mustache que lhe atribuiriam o devido fardo de vilão. Em choque constatei que muito diferente disso havia ali um homem jovem, esguio e alinhado, de uma beleza incomum  e desconcertante que beirava o surreal, agressiva e quase demoníaca. Aqueles olhos eram como imãs: imensos, atrativos e letais.

Contive o suspiro.

Não faça disso um grande caso, você sabe quem ele é e não há nada de divino e bom naquele homem. Ele matou seu pai.

– Entre, senhorita Abe. – Pediu Dom Accio, apontando a poltrona para mim.

Senti todo meu corpo congelar quando ele me dirigiu um sorriso. Havia algo de monstruoso e avassalador em seus lábios contorcidos que me embrulhavam o estômago. O brilho de uma chama bruxuleou em meu estômago, ódio. Meu corpo paralisara diante dele, como uma presa sob espreita. Merda, eu me sentia inútil por ter desejado ceifar-lhe a vida nos últimos dois meses e agora, diante dele, não conseguir ao menos lembrar de como respirar. Desejei nunca ter pisado naquele lugar, nunca ter encontrado aquele homem pessoalmente.

Ele me despia com seus olhos azuis cobalto intimidadores, espetando-me como lanças. Um quê de maldade pairava no ar, emanado dele. Havia um sorriso sínico em seus lábios cheios e desenhados e um escárnio pretensioso em seu rosto anguloso, delineado por uma barba bem feita e curta. Cada músculo meu me avisava para correr o mais rápido possível, para o mais longe que pudesse.

Nunca vira alguém tão lindo em toda vida medíocre que eu levava. Senti o coração acelerar, alertando-me do perigo eminente. Não Abe, aquele senhor era Dom Accio. O homem que roubara-lhe o pai, a casa e a dignidade. O homem desprezível que nunca saia de seus pesadelos, o homem que sonhara acordada com detalhes assassinar. O homem cuja vida imunda maculara tantas famílias, como a sua. O líder de uma das máfias italianas mais poderosas.

Ele lentamente levantou de seu assento e veio ao meu encontro. Seus passos eram elegantes e longos e um instante depois estava a menos de dois metros de mim. Seu terno, cabelo e sapatos negros juntamente com seu robe cinza de lapela acolchoada regiam uma sinfonia harmônica e gutural vinda das profundezas do inferno. Trinquei os dentes, obrigando-me a encará-lo.

–  Queira entrar por favor, senhorita Abigail. – Balbuciou em um tome doce e sedutor, como uma serpente.

  Suas mãos alcançaram as minhas com delicadeza e rapidez, enquanto o resto de seu corpo me arrastava para dentro de seu escritorio com maestria e altivez. Senti por um segundo minhas pernas falharem e a respiração hesitar. Ele cheirava levemente a café,  tabaco e algo mais caro e especifico que não identifiquei, mas não era ruim.

Tudo, absolutamente tudo era atraente e perigoso no jeito que Dom Accio me conduzia despreocupadamente e segurava com firmeza minha mão, um recado óbvio de sua posição, poder e influencia. Estava anestesiada de medo. E de algo mais que me acertava em cheio, vindo de seus olhos indecifráveis.

– Estive esperando ansiosamente sua chegada, cucciola...

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Gente, obrigada por iniciarem a leitura de Dom Accio. Atualizarei frequentemente os capítulos e espero que acompanhem! Comentem, deixem recados e opiniões!

Com carinho, a autora! XoXo!

Dom AccioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora