19.

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A TV parecia no mudo.

Ou era eu?

Os noticiários anunciavam: guerra entre facções. Mas era algo muito maior. Carros incendiados, terror e morte. O bairro chinês estava sendo bombardeado e implodido, como uma alvo gigante.

E eu sabia que era ele.

A palma da mão pegajosa sobre a pele fria era reflexo de meu estado emocional: apavorada.

Havia dois dias que eu houvera me empoleirado na asa e bondade dos Clark. Não por vontade própria, mas por completa invalidez. Mal conseguia me sustentar sobre as pernas, mas apenas eu poderia amenizar a ira de Lucca. Muita gente inocente estava pagando caro demais por uma dívida que não era deles. Dom Accio não era bondoso, não era empático. Ele era uma massa de ódio capaz de levar tudo tudo consigo que não fosse capaz de desviar seu caminho.

Aquele era o Lucca que honrava seu sobrenome.

Troque o peso das pernas, suspirando. Meus olhos estavam fixos na TV, eclipsados estudavam o cenário de guerra. Uma corrente propagou-se pelo corpo, alertando-me o óbvio:

Tinha de voltar para casa.

       Joe partiria em cinco minutos em direção ao centro e eu estava disposta a arriscar nossas integridades tomando uma carona. O ombro ainda latejava, os hematomas continuavam arroxeados e sob hipótese alguma podia correr, mas não havia escolha para mim. Não estava segura longe dele.

      Manquei descompassada até a sala de jantar. Joe e eu trocamos um olhar tenso e obscuro, repleto de ansiedade. Não sabíamos até que ponto nossa estratégia de fulga funcionaria — se funcionasse— e o pior: não tínhamos um plano b.

       Dobrei as barras da camisa azul de algodão cedida por Kath. A calça legging preta fora a única que servira em mim, mas felizmente nós calcávamos o mesmo número e as sapatilhas serviram.

Tinha uma mochila de Dora aventureira usurpada de Judy e abastecida com barrinhas de cereal, medicamentos para dor, gazes limpas e vinte dólares. E a Yakuza um exército bem armado.

      Mas tinha que dar certo.

      — É hora, Abe. — Comunicou friamente Joe, guiando-me pelo corredor até a garagem.

      Kath e eu trocamos um olhar profundo, ansioso. Judy me espreitava pelas brechas da escada, inocente de todo o caos. Era difícil expressar o que sentia, um misto de desconfiança e temor.

      — Obrigada por tudo. — Murmurei cabisbaixa um segundo antes de desaparecer. — Adeus.

        Mergulhei no vazio, degustando a despedida. Desejava o melhor para os Clark, por toda caridade que se dispuseram, pela acolhida discreta e pelo risco. Sabia que nunca mais poderia encontra-los, minha cabeça valia demais para que meu egoísmo os pusessem em perigo.

         As luzes fracas foram acesas na garagem, projetando sombras cumpridas. Senti o estômago revirar, ansioso com todo caminho a percorrer.

      — Espere. — Pediu Joe buscando por alguma coisa nas prateleiras.

       Momentos depois ele surgiu carregando entre os dedos uma trinta e oito. Com cuidado ela me foi entregue, enquanto Joe conferia minha expressão tensa. O objeto parecia pesar muito mais que o normal, repleto de todas responsabilidades.

Dom AccioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora