46.

35.4K 2.9K 1.4K
                                    

O sol surgiu no horizonte, dourando Madri como El Dourado.

          Era difícil respirar com os braços de Lucca ao meu redor, compelindo-me até ele. Entretanto, a sensação de segurança vencia a clausura. Ele dormia, profunda e densamente enterrado no amontoado de lençóis e edredom, ronronando suavemente seus sonhos.

        Gostava de sentir seu peito oscilar em uma respiração tranquila e controlada, como maré. Permaneceria ali eternamente, presa ao conforto de sua pele crua aquecendo a minha, entre o céu e o purgatório de meus pensamentos. Apenas eu e a imensidão de ser dele.

           Antes que despertasse, estava pronta. Meus cabelos ainda úmidos da noite, faziam ondas rebeldes como uma cascata sob os ombros. Meu reflexo no espelho era bochechas róseas e delicados ossos sobressalientes despontado sob a pele, não tão ruim quanto eu esperava.

         Desviei o olhar para a cama quando notei que ele me observava caprichosamente delinear meu cabelo, tinha olhos carinhosos e gentis, sorrindo-me heroicamente. Não resisti lançar-lo outro sorriso sem graça, antes de abandonar a escova de cabelo e despontar até a cama mais uma vez.

         Sentei-me ao seu lado, enquanto Lucca em um silêncio intrigante desenhava círculos imaginários sob minha pele.

          — Por que você está agindo tão estranhamente, desde que desembarcamos? — Indaguei, deixando meus dedos deslizarem pelo mar negro de fios desgrenhados.

          Lucca lançou-me um olhar descontente e infeliz. A pele sob o pescoço, ombros, dorso e quadris estava amostra, como o caminho das pedras até o inferno. Havia muitas cicatrizes espalhadas pelos antebraços e peito, pequenas e grandes, marcas de combate. Era difícil manter meus olhos apenas nos dele.

         — Existe algo que eu... — Balbuciou Lucca, hesitante. Seus olhos desviaram nervosamente até as mãos, inquietos e desavisados.

           Um reverberar constante soou alarmante pelo celular. Em um movimento rápido, Lucca tomou o aparelho em mãos e atendeu-o. Sua expressão melancólica fora destronada por cenho franzidos e um suspiro angustiado.

           — Grazi. — Balbuciou apático. — Non dico che mi metterò...

           A ligação fora encerrada. Lucca desviou os olhos de mim, guardando o celular em cima da mesa e trocando de roupa. Abrindo a mala, vestiu um estranho jeans escuro, uma camiseta listrada, um casaco preto de couro, envolvendo por fim o pescoço com um lençol grosso de caxemira azul marinho.

          A visão me fez hesitar aturdida, assistindo o movimentar elegante dele pelo quarto. Logo seu cabelo emaranhado estava perfeitamente posicionado para trás, como ondas perfeita. Em silêncio observei por quinze minutos entrar e sair, mas por fim apenas pegou o celular e discou um número.

— Alessio? Noleggiare una moto. — Balbuciou autoritário do outro lado da linha. — Essere qui in un'ora.

Lucca desligou a chamada, guardando o celular no bolso do jeans junto com a carteira de marca. Havia um quê — e eu não sabia do que se tratava — de ansioso em seus movimentos, mas quando voltou a me olhar apenas sorriu um leve e escaldado sorriso de canto de boca, repuxando a face séria.

— Vamos dar uma volta. — Anunciou Lucca soltando o ar rapidamente pelas narinas.

Meu cenho franziu em confusão, enquanto ele já me conduzia para a saída sem meu consentimento. Seus dedos foram gélidos ao encontrarem os meus, entrelaçando-se pegajosos com a minha palma. A sensação me fez suspirar, enquanto tomávamos o elevador até o térreo.

Dom AccioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora