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       Avistei os portões negros da casa dos Accio. Estavam entreabertos, abandonados, sinalizando o mal agouro.

        Enzo adentrou o pátio lentamente, visto que a multidão de ternos pretos aglomerava-se em uma círculo de frente a casa. Senti o coração tamborilar com a cena, enquanto zumbidos e murmúrios ecoavam em todas direções.

         Joshua lançou-me um olhar apreensivo, enquanto desatávamos o sinto e Enzo manobrava o carro. Podia sentir pelo corpo transpassar o odor mortífero da vingança, eclodindo em labaredas e revirando meu estômago.

Espalmando e encaixando-me no espaço minúsculo dentre os demais, pressionei-me a enfrentar a multidão. Joshua e Enzo seguiam logo atrás de mim.

Primeiro eu o vi.

Lucca estava de pé, soberano, imbatível e bélico. Sua expressão era dura, impassível e paralisante. Seus olhos gélidos e psicóticos correram até mim, tremeluzindo entre a quase loucura e a ira.

Havia um desespero palpável nele, tão sólido que eu podia ver suas cores pela transparência dos olhos azuis cobaltos assustadores.

         Tomei uma lufada de ar, preenchendo os pulmões e os esvaziando.

         Então meus olhos correram para os dois de joelhos no chão, sob a mira de dois fuzis, cabisbaixos e silenciosos. Não arriscaram lançar-me um olhar.

         Era a santa inquisição dos Accio.

         Um arrepio repugnante transpassou-me quando meu olhar inevitavelmente encontrou-se com os de Robert. Havia uma loucura prazerosa em seu sorriso doentio quando seus olhos me varreram de baixo pra cima.

        A cólera tomou-me em uma ânsia repulsiva, desencadeando o medo e o nojo. Eu o odiava. Odiava-o tanto que desejava minhas mãos sob sua garganta.

         Dei dois passos a sua frente. Sentia por sobre mim os olhares apreensivos, inclusive o de Lucca que assistia introspectivo. Nossos olhos encontraram-se e neles eu não sentia nenhum arrependimento ou dúvida, apenas um prazer sublime pela cena hedionda que lhe ocorria.

          O vômito queimou-me a garganta, até que eu o avistasse, afastando o olhar e distanciando-me dele. Mesmo sabendo que Lucca nunca mais permitiria que ele me tocasse, minhas mãos tremiam e suavam. Sentia-me prestes a desmaiar.

          Elize tinha os olhos no chão.

           Uma pira inflamou-se contra Sua submissão e quietude. O ar fazia meus pulmões encheram-se e esvaziarem-se rapidamente, repleto de uma repulsa e ir que transformavam-se em pó.

           Diante dele, assistindo-a de cima eu podia ouvir seu choro compulsivo e copioso, fingido, que a fazia quase soluçar. Apática degustei o sabor de suas lágrimas de Elize, mas não estava satisfeita. Ela chorava por Lucca, não por mim.

           — Olhe-me. — Ordenei.
  
           Elize manteve os olhos no chão, enquanto balbuciava incoerente lamúrias desconexas. Minhas mãos fecharam-se sobre seu maxilar, elevando seu rosto e deixando visíveis suas lágrimas, sua pequenez e insignificância.

             — Olhe-me. — Ordenei mais uma vez, até que seus olhos encontraram os meus. O azul tremia em ira e medo, enquanto eu a eclipsava.

Dom AccioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora