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Mexi os ovos logo no café da manhã. O cheiro inundava toda cozinha, com um aroma indiscutível.

— O que você está fazendo? — Indagou Victor, adentrando o cômodo.

— Café da manhã. — Expliquei, levantando a frigideira.

Victor sorriu. Ainda parecia exausto do dia anterior, da viagem e da confirmação de minha gravidez. Não o julgava, tudo havia ocorrido tragicamente, como uma avalanche. Sentia-me soterrada em lembranças e dúvidas terríveis, perdida no descaminho que se desdobrava sobre meus olhos.

— Está se sentindo bem? — Indagou Victor em um tom menos preocupado que precavido.

Assenti, movendo os ovos mexidos na panela enquanto as torradas douravam. Sem cerimônia Victor retirou da geladeira suco de maçã e despejou em um copo, oferecendo-me. Sentando-se na bancada, inundado pelos raios de luz que invadiam o cozinha, Victor acompanhavam-me em silêncio com o olhar, o que era um tanto quando assustador.

        — Vamos recuperar os documentos em Moscou hoje. — Afirmou Victor, deixando os olhos cairem até a mesa e os dedos cruzarem-se. — Não podemos mais esperar, meu pai sabe que chegamos a Moscou.

        Meus olhos fitavam os ovos dourarem na frigideira, enquanto engolia a seco e tomava uma lufada profunda de ar fresco.

        Assenti em silêncio, levando instintivamente a mão ao ventre, consciente de que precisaria tomar cuidado por dois.

        A ideia de encontrar Papa açoitou-me feroz, liberando do mais profundo de mim um medo irracional e paralisante. Deslizei os ovos até a louça delicada, o olhar distante de Victor.

        — Ele não fará mal a vocês. — Afirmou Victor, extendendo-me a mão, enquanto dava meia volta na mesa ao meu encontro.

        Beijou meu cabelo, depositando a mão por sobre meu ombro. Seus cabelos estavam presos em um elástico aquela manhã, cheirando a shampoo de coco.

        — Eu falei com Lucca ontem no hospital, enquanto você dormia. — Murmurei sem depositar meus olhos sobre ele.

         — Você contou? — Indagou Victor pouco surpreso, referindo-se à criança.

         Neguei com a cabeça, sentindo o peso daquela decisão decaindo sobre mim. Apesar de tudo eu amava Lucca e sabia que era recíproco, negar-lhe a existência do filho era desumano e cruel, egoísta. Pensara sobre aquilo durante toda a noite insone, reavendo meus atos.

        — Não posso distraí-lo do que quer que ele esteja fazendo agora. Se ele souber sobre o bebê, será mais uma fraqueza que os Antonellio poderá explorar. — Afirmei, levado uma mexa de cabelo até a orelha e conduzindo a panela à pia.

        — Você acha que podem atentar contra você e contra a criança? — Indagou Victor, apoiando-se na bancada.

        — Nada me assegura agora, Victor. Eles não verão isso com bons olhos, não apenas eu e o bebê, mas Lucca estará de mãos atadas. — Argumentei convicta. — Eu contarei, esteja certo, mas assim que Lucca se resolver com os Antonellio e por seu plano em prática.

        Abri a água e deixei a frigideira encher até a borda, pegando o copo de suco sobre a mesa e o prato, caminhando até a cadeira.

Dom AccioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora