10.

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A linha ficou muda, mas eu sabia que ele estava lá: podia ouvir sua respiração ofegante. Um nó atava todos músculos da minha garganta, calando qualquer intenção de voz. O nervosismo corroía minhas entranhas de cima a baixo, refletindo no palpitar desenfreado de meu estupido coração.

— O que você quer? — Indaguei disfarçando toda carga pesada e emotiva depositada em minha voz. — Deixar suas babás aqui pra me vigiarem já não é o suficiente?

Um súbito espasmo de silêncio pesou entre nós aterrorizante e minha coragem recém adquirida desfez-se em estilhaços.

— Joshua e Enzo são minhas condições caso insista em continuar morando sozinha. — Murmurou Dom Accio mais controlado que antes.

— Está me fazendo imposições? — A incredulidade cozinhava toda minha paciência. — Esta é minha casa!

        Meus olhos prostrados no horizonte nada viam além de minha própria fúria. Uma tempestade surgia colossal sob o céu.

— E você é minha responsabilidade. — Explicou pouco contente. — Não vai fugir de mim, não vai sair do meu radar. Eu sempre estarei um passo a sua frente, então esperneie o quanto quiser: eu vou protege-la.

Não, eu não preciso de você.

— Leve os garotos daqui. — Ordenei, prestes a desligar o telefone. — Não quero dever a você ainda mais do que devo.

Meus olhos estavam fixos na porta de casa e uma sensação absurda de vazio e melancolia bucólica me tomaram. Não quis entrar. Não quis subir as escadas, muito menos tomar um banho. Não quis ficar sozinha assombrada pelo terror recente da madrugada passada.

— Desculpe por hoje. — Sussurrou ele, em um sopro quase inaudível.

Um espectro assombroso de surpresa me tomou. Sem palavras, sem saber o que pensar apenas desliguei a ligação, friccionando os olhos e respirando entre dentes. A voz cálida e arrependida de Dom Accio, mesmo que intencionalmente utilizada, era demais para minhas estruturas. Sabia que mais um segundo e eu seria convencida.

Manipulador de merda! Por favor, fique longe ou...

Não. Não cogite isso.

Arrastei-me até em casa, tentando afastar os pensamentos perturbadores que me tomavam. Nunca imaginara me sentir tão mal entrando naquele lugar. Nada, absolutamente nada, estava fora do lugar. Mas uma sensação ruim pairava no ar juntamente com o silêncio aterrador.

É a sua casa. Vai ficar tudo bem.

Protelando, subi as escadas sentindo os ombros pesarem e o terror da noite passada apertar um nó em minha garganta. Respirando e inspirando, suportei a imensidão do medo sentido na noite anterior. Apoiando o peso de meu corpo no corrimão, cheguei ao topo. O digladiar interno entre a mascara ensanguentada e minha própria consciência, fazia-me arena de maus sentimentos. Presságio de maus agouros. Tornado de poderosas tempestades.

O corredor se estreitava para um cômodo, a porta agora trancada era um sinal claro de que alguém houvera estado ali e limpado toda bagunça. Dom Accio. Ele havia blefado. Senti-me instantaneamente agradecida, atingida por uma onda de alivio imenso. Suspirei, encarando a maçaneta.

Você precisa fazer isso. Coragem Abe.

Destranquei a porta relutante e me deparei com a limpeza olimpiana. Não havia sinal de morte ou sangue, entretanto o nervosismo ainda me tomava. Meus olhos correram urgentes até a banheira e implorei para que as alucinações não se repetissem. Precisava encarar aquilo de uma vez.

Dom AccioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora