62.

23.3K 2.5K 890
                                    

— Sente-se, você está pálida. — Ordenou Victor, desaparecendo na cozinha.

Cambaleei tonta até o sofá do chalé da mãe de Victor, esticando sem cerimônias os pés na mesa de centro.

As mãos ainda tremiam, resquício de meu rompante de coragem há alguns minutos. Os olhos de Papa continuavam a me fitar ameaçadores ainda naquele momento, como piras de fogo no completo breu.

— Você está bem? — Indagou Victor, entregando-me um copo de vidro e um comprimido em cápsula. Lancei-lhe um olhar curioso. — Calmante natural, geralmente uso pra dormir.

Tomei o comprimido com a ajuda da água e encostei a cabeça no sofá, fechando os olhos e ouvindo o som de minha própria respiração.

        Victor sentou-se ao meu lado, esticando o braço ao meu redor e me puxando gentilmente para seu lado, até minha cabeça estar encostada em seu ombro.

          — Estou muito orgulhoso de você, chá de laranja. — Anunciou Victor, inclinando a cabeça até encostar com a minha. — Muito obrigado.

          Suspirei, inconscientemente  levando a mão ao ventre. O fato de ter uma criança crescendo em mim era determinante para a força de meus atos, como se eu precisasse ao dobro me manter viva, um instinto protético muito maior que a racionalidade.

          — Quanto tempo você acha que leva até começar a aparecer? — Indagou Victor, deslizando a mão livre até minha barriga.

         — Alguns meses ainda, ele é muito pequeno. — Comuniquei.

          — Ele? Acha que é um menino? — Indagou Victor, em um tom muito mais leve.

           Um sorriso esboçou-se em meus lábios. Era uma coisa boba minha, sem qualquer embasamento na realidade, mas quando projetava meus pensamentos sobre a criança, imaginava um garoto.

         Um lindo garoto de olhos azuis.

        — Sim. — Confessei tentando esconder o sorriso na voz. 

         — Então já pode escolher um nome. — Anunciou Victor, mas o sorriso na voz  era ameno e controlado.

           — Se for um menino, já escolhi o nome. — Informei, deixando-o inquieto e curioso. — Vai se chamar Bruno Victor Accio.

            Um sorriso de choque e pavor surgiu nos lábios de Victor, enquanto ele se endireitava até que meus olhos encontrasse com os dele.

           O momento perdurou muito mais que o planejado, ficando suspenso no ar como uma bolha de sabão até que explodisse de repente. A expressão de Victor variou de confusão, surpresa, felicidade e carinho, para a inexpressividade absoluta.

          — Eu tenho tentado. Deus sabe como tenho tentado. — Afirmou Victor friccionando os olhos e deixando o olhar cair morto e derrotado no chão, enquanto um sorriso triste mareava seus lábios. — Eu jurei pra mim mesmo que não interferiria nas suas escolhas e que apoiaria cada uma delas, porque estar ao seu lado me bastava. Mas...

            Seus olhos arderam culposos e dolosos ao meu redor, como o fulgor do hálito de um vulcão.

            — Você não facilita. — Riu-se ele, levando o dedo indicador e polegar aos olhos. Tomou fôlego, a voz falha.

Dom AccioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora