22.

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       Ele não tentou me deter.
       Em momento algum.

E aquilo era quase tão ruim quanto ser enganada.

        Podia sentir as paredes ruirem, afundando, soterrando-me em escombros. Os tratamentos de Sakurai agora pareciam beijos delicados, afagos. O golpe havia me deixado em órbita, pontuando o touchdown perfeito. E eu não sabia aonde ir, não imaginava qualquer lugar longe o suficiente para que Lucca se tornasse apenas uma lembrança ruim. Estava perdida, banida de meus próprios sentimentos, do que concebera por vida, da presença dele e de tudo que inutilmente nutrira por Lucca.

Do que adiantou ter amado com o meu melhor se de mim restara apenas a pior parte?

         Cômico e quase uma tragédia grega.

          Maldito italiano de merda!

          E eu sabia que lembraria dele sempre que entrasse em uma pizzaria, que usasse a banheira de meu quarto, que ouvisse a palavra "cucciola", que sentisse cheiro de café ou tabaco, que fechasse meus olhos antes de dormir. Ele estaria lá, engasgando de rir, escapando-me pelas mãos. Propagando minha desgraça com apenas um sorriso torto. Trovando minha derrota.

         Lucca era assustador. Mas não tanto quanto amá-lo.
    
   Deixei a casa pelos portões da frente e nenhum de seus homens questionou minha partida, apenas desviaram os olhos enquanto eu entrava no mercedes de Bob. A chave ainda estava na ignição, mas não havia sinal de sangue ou estilhaços. Minha 38 ainda estava lá, intocada.

         Sentia os olhos pesados fitando a mansão dele, apertando um nó estrangulador ma garganta, enquanto eu dava partida e manobrava até a saída. Não podia evitar as lágrimas que viam abundantes e quentes, pingando queixo a baixo.

         E não era pela decepção. Ela viria cedo ou tarde, sempre soube. Era pela sensação absurda de vazio que se aprofundava cada vez que eu pensava em mim, sem ele.

         Sem aqueles malditos olhos azuis cobalto.

         Acelerei, apreciando o mundo borrado que surgia logo a frente. Manobrei pela estrada sinuosa, pouco me fodendo para Sakurai e seus homens, ou qualquer outro que estivesse a minha procura. Talvez lá no fundo desejei secretamente que algum destes o fizessem, que tudo fosse substituído por dor física mais uma vez. Que eu não precisasse pensar nele.

Havia apenas um local que eu podia ir, que eu queria estar, onde Lucca pensaria duas vezes antes de me procurar. Onde eu estaria segura.

E não era exatamente um lugar.

Desapareci de Long Island como se aquela parte do estado estivesse contaminada por um vírus letal. Tive a sorte de chegar até Manhattan sem que a gasolina acabasse, mas foi só cruzar a ponte para que eu ficasse a pé. Abandonei o Mercedes no acostamento e segui sozinha sob o sol da tarde, enquanto a paisagem resfolegante seduzia minha atenção.

Não era longe, mas a pé parecia uma eternidade. Ultrapassei cruzamentos e ruas, sentindo o peso e o frio do cano das armas encostando sob a pele da cintura, lembrando-me a todo momento a grande merda que a minha vida se tornara. Lembrando-me Lucca. Lembrando-me de desejar odiar-lo e de como eu não conseguia faze-lo.

Maldito de merda.

O crepúsculo começava a pintar o céu invernal em tons de cinza e roxo. Meus pés ardiam, repletos de bolhas e calos e meu corpo transpirava frio, grudando fios de cabelo na testa e pescoço. Minha mente flutuava longe, um vulto infeliz de tudo que nunca seria, de toda minha própria ilusão monocromática refletida nos espelhos da cidade.

Dom AccioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora