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Simas e Bernadete, casal subordinado aos Accio, trouxeram-me da cidade o que vestir. Vestido branco, longo, delicado e de rendas, com fitas adornando-me e deixando a clavícula exposta.

Por Lucca aceitei que penteassem meu cabelo e o arrumassem perfeitamente em uma trança que escorria pela lateral, aplicando uma maquiagem por sob os lábios e olhos, perfumando-me com a gentileza de um odor de uma flor.

Não vi meu noivo – ou o que quer que Lucca fosse – pelo resto do dia. Bernadete impedira-me de sair vagando pela mansão dos Accio, mantendo-me ocupada com banhos relaxantes, massagens geniais e todos os mimos que eu nunca imaginara desfrutar. Apesar de preocupada com Lucca e todo seu posicionamento sobre mim e com o relacionamento familiar dos Accio que se complicava, dei-me ao luxo de aceitar os cuidados delicados das mãos de Bernadete. Seu espirito experiente de mulher madura e seu jeito receptivo de quem não estava inclinada a me julgar, engendravam uma familiaridade pacifica, distensionava meus músculos e aliviada toda pressão que crescia sobre mim.

– Nunca o vi assim. – Comunicou ela, enquanto seus dedos trançavam meu cabelos. Sua pele morena era derretida como caramelo.

– O que? – Indaguei imersa em meus pensamentos.

Do reflexo no espelho assistia sua expressão tênue e aliviada. O quarto atrás de nós tinha paredes em pêssego, móveis de madeira e ferro, uma cama de casal, cortinas brancas e cheiro de lavanda vindo da varanda. Fazia calor aquela manhã, mais que eu sentira algum dia morando em New York e a brisa vespertina que invadia o quarto era uma baforada de calor.

– Dom Accio. – Afirmou Bernadete, finalizando a trança e prendendo-a. Um carinho maternal cintilava em seu sorriso veranesco. – Lucca tem um sorriso nos olhos. Mesmo com Giovanna, ele nunca esteve feliz desta forma. Você pode imaginar pressão e a responsabilidade que é nascer como herdeiro de uma casa como a dos Accio? Ele nunca sorria, ou se permitia ser feliz, mas o jeito como ele te olha... Você sabe que ele te ama mais que qualquer outra coisa? isso é perigoso.

        Minha voz suprimiu-se com o pensamento. A verdade de ser amada era como um soco no estômago, simples e fatal. Éramos dois estranhos, guerreando entre nós, e logo depois estava eu, vestida de branco, condecorada aos Accio.

          — Cuide do nosso menino. — Pediu ela.

             Um oclusivo martelar na porta chamou-nos atenção, libertando-nos de nossos devaneios. Altivos autoritários olhos serpentearam por sobre mim, era intensos e vorazes.

          Prendi a respiração, firmando a postura na cadeira.

            — Bernadete, saia. — Ordenou a mulher, firme e concisa, fazendo a criada despontar em um impulso porta a fora. A altivez confundia-se com prepotência e incisão.

           Tive que tomar uma longa lufada de ar.

            Tinha os cabelos negros presos no alto da cabeça, com um abutre que serpenteia a carniça. Seu rosto arredondado tinha os lábios marcados em vermelhos, as maçãs também. Não era terrível, mas tão pouco era bonita. Mantinha-se obsoleta sob a soleira da porta, aguardando que o silêncio me devorasse por completo para que ela pudesse digerir.

           — A que devo a honra, Sra. Accio? — Minha voz rasgou esganiçada e estridente, como a agonia de um porco durante o abate.

           Sem qualquer formalidade ou educação minha sogra adentrou o cômodo, estalando os saltos por sob o piso de madeira. Minhas mãos fecharam-se em punho, desperta para a batalha que se seguiria. Busquei no fundo de mim tudo que lembrava de Dom Accio, sua força e intimidação. Resgatei seu sorriso cínico, seu olhar ameaçador e seu perfeito falso auto controle. A serpente esgueirou-se até minha dianteira.

Dom AccioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora