Um: Desamparada

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Ela era linda.

Minha pequena Maria Isabel, ou Mabel, como eu costumava chama-la carinhosamente, era o maior presente do Senhor para minha vida.

Eu podia perder horas observando aqueles grandes olhos marrons, o cabelo castanho começando a formar cachos em sua cabecinha e as bochechas rechonchudas, extremamente apertáveis. 

Era incrível pensar em como um dia Mabel esteve confinada por longos nove meses crescendo segura e desenvolvendo suas características próprias enquanto o mundo desabava sobre mim do lado de fora. Antes dela nascer, eu tinha dificuldades terríveis em me enxergar como mãe, principalmente não tendo o apoio que as gestantes gostariam de ter em um momento tão singular de suas vidas. Precisei pedir graça a Deus, pois eu não tinha forças para nada além de lamentar, procurar culpados e chorar constantemente pelos meus erros e as consequências deles. O Senhor sendo grande em misericórdia, me mostrou um caminho reto de arrependimento e perdão. No ápice das dores do parto, quando num instante eu chorava angustiada e no outro segurava minha filha nos braços, eu compreendi quão grande foi o amor do Senhor ao abrir mão do seu único filho em favor de uma pecadora como eu. A partir de então, minha vida nunca mais foi a mesma.  

— Não acabou sua refeição ainda, ovelhinha? — sussurrei enquanto observava a pequena mamando prestes a pegar no sono e sorri quando ouvi o murmúrio dela.

Quando ela finalmente dormiu, eu levantei com cuidado da cama, arrumei a alça do pijama e a deitei no berço delicadamente, cobrindo-a com uma manta mais grossa devido ao frio intenso na cidade.

— Obrigada Senhor por mais este dia. — agradeci aliviada por finalmente ganhar algum tempo para descansar.

Deitei na cama, sentindo as pálpebras pesadas e o corpo dolorido pelo dia intenso de rodar a cidade procurando trabalho. Não foi nada surpreendente cair no sono segundos depois de ter encostado minha cabeça ao travesseiro.

Tive um pesadelo e isso também não foi novidade. Todas as noites eu vinha sonhando com a mesma coisa: Victor voltando para minha vida e levando Mabel embora.

E agora? Você não tem mais nada, Sarah! — as palavras maldosas soavam e ele, simplesmente, virava-se e saía andando com a bebê no colo me deixando ali incapacitada de mover um músculo para impedir aquele grande desastre.

Acordei afobada, sentindo o coração prestes a sair pela boca e fui obrigada a engolir meus sentimentos quando ouvi o choro desesperado de Maria.

Levantei-me apressada, segui até o berço da bebê e a encontrei sentada balbuciando por mim. Fui rápida em toma-la nos braços. — Qual o problema, meu amor?

Inspecionei e busquei possíveis problemas, mas aparentemente nada estava errado. Ela estava bem alimentada, seca, limpa e quentinha. Não havia muito a se fazer além de recomeçar o processo de acalenta-la.

Quando finalmente havia conseguido acalmar a bebê, ouvi um barulho de garrafa quebrando do lado de fora da casa e em seguida um berro: — Sarah, apareça! Pague meu dinheiro!

Senti um arrepio percorrendo minha espinha e um medo terrível. Aquela voz era inconfundível.

Ricardo era o senhorio da pequena casinha a qual eu havia alugado nos primeiros dias após minha fuga de casa. No começo da gravidez, eu conseguia fazer "bicos" e assim obtia alguns trocados suficientes para pagar o homem e comprar comida. Contudo, quando minha filha nasceu meus gastos triplicaram e eu sempre acabava precisando escolher entre fraldas e cuidados para bebê ou o aluguel. A escolha era obvia para mim, mas após cinco meses de atraso, Ricardo deixou de ser compreensivo e acolhedor e tornou-se um louco.

Ensina-me amarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora