Trinta e Um: O Retorno

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Durante alguns segundos intermináveis, eu, estagnada, apenas consegui analisar meu pai de longe. Era duro não conseguir interpretar quais eram os sentimentos escondidos atrás daqueles olhos castanhos me analisando detalhadamente e ainda precisar esperar alguma atitude da parte dele

O que ele estava sentindo naquele momento?

Seria surpresa? Dor? Ódio? Eu não sei. Naquele instante ele podia me odiar e gritar comigo o quanto quisesse, pois eu não fugiria mais.

Por estar esperando a maior bronca da minha vida, eu fui pega de surpresa quando o contrário aconteceu.

Lágrimas intensas começaram a descer dos olhos dele e um choro profundo e doloroso lhe abateu a alma de tal forma que quase não conseguiu manter-se em pé, sendo auxiliado por Victor, ainda ao seu lado, a manter-se de pé. No momento seguinte papai recobrou suas forças e adiantou-se rápido em minha direção, abraçando-me com toda a força. Eu não consegui agir de outra forma, além de extravasar e liberar, de igual modo, todos os meus sentimentos.

“Ele me ama! Ele ainda me ama!” eu dizia a mim mesma enquanto os braços de papai me apertavam de modo sufocante.

— Sarah! Minha menina! — ele balbuciou enquanto pranteava alto e acariciava meus cabelos. — Obrigado, meu Deus! Obrigado!

Eu tinha tanto para dizer. Tantas desculpas para pedir. Mas minha voz sumiu, tal como minhas forças, e eu me permiti ser aconchegada ao colo do meu pai para sentir seu amor sendo expresso daquele modo tão singular. Enquanto isso, lembrei-me de Jesus contando a história do filho pródigo, especialmente a parte em que foi acolhido de volta por aquele a quem traiu, depois de muito tempo. Assim eu era. Recebi do Senhor a chance de retornar e consertar meus erros do passado.

Papai deu um pequeno passo para trás, se afastou e segurou meu rosto úmido em suas mãos. Fui capaz de enxergar como, apesar de ser ainda relativamente jovem, seu rosto aparentava ter envelhecido e o corpo emagrecido naqueles meses em que estive fora. Meu pecado fora como uma doença sobre os ossos do meu progenitor.

— Ah, filha! Como está linda — elogiou e usou os polegares para secar minhas bochechas com todo o cuidado. — Você voltou... — Ele cedeu aos sentimentos outra vez e quis ocultá-los ao esconder o rosto com as mãos ao mesmo tempo em que pranteava e lamentava. Parecia luto, mas era alegria. — Esperei tanto, tanto por esse dia...

Ele veio até mim novamente e me enlaçou com força, permanecendo em silêncio por um bom tempo, sem conseguir acreditar na visão de quem estava ali parada diante dele.

“Está na hora, Sarah. Diga a verdade. Mostre a ele seu arrependimento” ouvi aquela voz em minha mente e senti um aperto no coração, prevendo que a hora mais temida acabara de chegar.

— Papai. — Busquei chamar a atenção dele puxando sua camisa. — Precisamos conversar.

— Sim, precisamos — ele concordou comigo e, recuando, segurou minhas mãos e esboçou um sorriso. — Eu só preciso respirar um minuto. São muitas emoções para um velho como eu.

Eu assenti e reparei quando Victor se aproximou trazendo um copo de água para nós dois. Com tantos acontecimentos frenéticos, eu havia me esquecido completamente da presença dele no cômodo.

— Obrigado, garoto. — Meu pai aceitou a cortesia e, após dar leves batidas no ombro de Vic, entonou todo o liquido transparente do copo.

— Vou deixá-los a sós — ele avisou com a voz um tanto embargada e esboçou um sorriso triste para mim antes de sair rápido pela porta.

Finalmente sozinhos, papai me convidou a tomar um lugar ao lado dele em uma das mesas. Chegava a ser engraçado o modo como ele não tirava seus olhos de mim em nenhum momento. Talvez, com medo de que eu desaparecesse outra vez, ele quisesse me manter sobre sua constante supervisão.

— Ah, Sarah, eu fiquei tão preocupado. Não houve um só dia em que não te imaginei correndo riscos por aí — ele rapidamente tomou a iniciativa da conversa e não pude culpá-lo pela ansiedade. — Por que nos deixou? Como conseguiu ficar sozinha esse tempo todo? Onde morou? Como criou uma criança? Meu Deus! O meu bebê gerou outro bebê!

Segurei um dos braços dele e o fiz me encarar.

— Prometo te contar tudo, mas antes... — Fiz uma pausa me esforçando para engolir minha vontade de chorar. — Preciso te pedir perdão.

— Filha, eu me senti tão culpado...

— Não, pai. A culpa não foi sua. Eu fiz muitas coisas terríveis e há tempos venho nutrindo a ideia errada de que apenas eu sofri as consequências ao precisar criar minha filhinha sozinha. Mas todas as escolhas erradas tomadas por mim afetaram vocês também e eu não pensei nisso. — Olhei para baixo, sentindo o peso daquela confissão me esmagar. — Eu escolhi namorar Victor e quis me entregar a ele, mesmo sob o aviso constante do senhor para que eu não ferisse os princípios de Deus, também foi minha decisão aceitar o dinheiro da Raquel Ferraz para abortar quando engravidei e depois, pela graça de Deus, desistir da ideia, e além disso, todo o plano de fugir partiu de mim. Vocês todos sofreram porque eu fui egoísta. Fiz tudo pensando nos meus problemas e não amei ninguém além de mim e...

— Eu já te perdoei por tudo, Sarah. — Ele me acolheu com um dos braços e soltou um suspiro longo. — Já a perdoei há muito tempo.

Ensina-me amarWhere stories live. Discover now