Dois: Socorro

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— E a vaquinha faz? "Muuu" — mostrei o urso de pelúcia para Mabel e eu sorri quando ela imitou a última sílaba com uma alegria sem igual. — Isso mesmo, meu amor.

Diferente de mim, minha filha estava feliz e risonha como se as terríveis horas anteriores simplesmente não tivessem existido no seu mundo inocente. Eu a invejava, pois além de sua ótima capacidade de esquecer situações, ela também possuía alguém para protegê-la e oferecer consolo quando chorava.

"E quanto a mim, Senhor?" Por que me sinto abandonada por ti?" Eu questionava sentindo uma profunda dor querendo ser extravasada.

— Estão indo para onde tão tarde, queridas? — uma senhora baixinha de cabelos completamente grisalhos não esperou minha permissão para tomar um lugar ao meu lado nos bancos da sala de espera.

— Estamos indo para Santa Fé — informei me sentindo um pouco acanhada.

— Oh! Não acredito, eu também! — ela comemorou batendo palmas animadamente e não foi surpreendente quando Mabel a copiou. — É a primeira vez de vocês na cidade? Eu conheço cada cantinho de lá e posso dar ótimas dicas de pontos turísticos.

Nunca fui uma pessoa muito sociável e minha timidez geralmente era um grande impedimento para criar amizades duradouras. No entanto, desde o nascimento da bebê, eu passei a me obrigar a pelo menos ser simpática com pessoas me abordando.

— Santa Fé é a minha terra natal. Minha família mora lá — respondi com pesar. — Saí de lá já tem um bom tempo, e agora estou voltando.

A senhora sorriu de um jeito fofo e observou tanto a mim quanto a bebê em meu colo.

— Qual seu nome, querida?

— O meu é Sarah e essa aqui é a Maria Isabel — levantei a bebê em meu colo, pois ela havia reclamado usando seus gritinhos. Talvez, em sua autonomia infantil ela desejasse participar da conversa e ganhar a atenção da senhorinha também.

— O meu é Socorro — informou e brincou com a mãozinha de Mabel balançando no ar. — Essa garotinha linda é sua filha?

— Ela é. — Antes de haver qualquer julgamento me premeditei em dizer: — Sim, eu sei, sou bem jovem para ser mãe.

— Oh, sabe que eu tive meu Ian com dezessete, Amanda com vinte e Thais com vinte e um — informou dando risada. — Hoje em dia não é comum ver mães tão novas, mas no meu tempo, as moças logo casavam-se e tinham muitos filhos.

Dei um sorrisinho, e só de pensar em como eu não era nada semelhante com moças de outras épocas, preferi ficar em silêncio e não comentar mais nada.

Dona Socorro era bem faladeira e logo deu um jeito de começar outro assunto: — Desculpe a intromissão, Sarah, mas essa ferida no seu rosto está bem feia. 

Com a frenesi de acontecimentos eu até mesmo havia me esquecido da agressão de Ricardo. Com vergonha, busquei, usando a mão disponível, um espelhinho em minha bolsa a fim de confirmar as palavras de Socorro. Levei um susto ao notar como toda a extremidade do meu olho esquerdo e parte da minha bochecha e encontravam-se numa mistura de roxo, vermelho e até preto. Até mesmo minha esclera perdeu sua cor branca natural e ganhou um tom de vermelho sangue assustador. Meu estado era horrível e eu não culpava a mulher por levantar questionamentos.

A senhora percebeu minha aflição, não fez perguntas, mas com carinho procurou oferecer auxílio: — Minha doce filha Amanda é uma enfermeira muito zelosa. Ela me instruiu a andar sempre com um kit de primeiros socorros na bolsa. Deixe-me limpar para você.

— Obrigada, Socorro, mas é melhor já irmos andando para o terminal. Nosso ônibus já deve está para sair. — Apontei para telinha anunciando o horário de partida do próximo ônibus para Santa Fé.

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