Dezessete: Covarde

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— Você os trouxe pra cá sem me avisar, Coelho? — perguntei enquanto observava de longe Davi e Gabriela se aproximando cada vez mais do casarão.

— A Gabi sabia que você estava em Santa Fé, mas não aqui no Instituto. Já o Davi viu nas redes sociais da igreja uma foto do passeio a chácara onde você aparece, e sabia que eu estive lá também. Por isso, têm me ligado a todo instante — Josué explicou visivelmente aflito com a situação. — Eles provavelmente associaram uma coisa a outra e simplesmente vieram mesmo contra os meus alertas. Eu sinto muito, Sarah.

Escondi o rosto entre as mãos. — Eu não acredito nisso.

— Tenha calma, Sarah. Davi é o seu irmão. Não vai te fazer mal — Coelho buscou amenizar a situação.

Quando voltei a encarar aquela cena caótica, Davi já estava bem perto. Ele parou a alguns metros diante de mim e se mostrou em completo choque.

Eu ainda lembrava do nosso último encontro. Minha ex-sogra havia acabado de me entregar o dinheiro para realizar o aborto e eu voltei da igreja para casa com a mente cheia de problemas e o coração aflito. Davi, me conhecendo bem, não demorou em indentificar algo de errado em meu comportamento.

— Por que está assim? Brigou com o namorado de novo? — ele perguntou quando chegou a cozinha da nossa antiga casa e me flagrou limpando as lágrimas enquanto cozinhava o jantar. 

— Victor e eu não estamos mais juntos, já te disse Davi — expliquei evasiva.

— Você nem mesmo se deu o trabalho de apresentá-lo ao nosso pai. Eu não esperava um fim diferente — respondeu sem delicadeza e percebeu a dureza de suas palavras ao contemplar meu semblante triste. — Desculpa maninha. — Deixou um beijo em minha bochecha. — Eu só quero o melhor pra você e o melhor você só vai encontrar em Cristo.

Naquele instante, eu o olhei e pensei em revelar tudo quanto vinha escondendo dele, de Jonas e principalmente de papai. Além de estar grávida e sentir a culpa me corroendo por isso, eu ainda havia aceito e recebido dinheiro para matar meu bebê em formação.

Como seria se todos da igreja descobrissem tantos podres da filha do pastor? Quanta vergonha eu não traria pra minha família.

— Ei! Não chore. Vai ficar tudo bem, Sarinha — Davi me consolou e eu pedi a ele pra continuar o jantar, pois o remorso não estava me fazendo bem.

Naquela noite eu chorei até dormir e tive um pesadelo terrível onde me vi diante de um tribunal cercado de bancos preenchidos por todos aqueles a quem eu conhecia. Eles prestavam o serviço de testemunhas contra mim e esperavam o anúncio da sentença do crime cometido por mim, ser anunciada. Apesar de forçar a vista, o rosto do juíz permanecia oculto e eu só podia ver nitidamente o bebê morto, despedaçado e enrolado em uma manta, sendo acalentado pelos meus braços. O nojo e a culpa tomaram conta de mim e eu sabia que não haveria escapatória. Meu fim seria semelhante que havia dado àquela criança.

— A morte será pouco pra você, Sarah — O juiz sentenciou, bateu o martelo e eu acordei em seguida assustada, chorando e clamando pela misericórdia do Senhor.

Então, tomei uma decisão: eu não mataria o meu bebê, porém não ficaria para ver as consequências dos meus pecados. Por isso, levantei naquela madrugada chuvosa, sentei na cadeira da escrivaninha e escrevi uma carta curta explicando vagamente sobre os meus motivos para ir embora sem me despedir dos meus familiares. Ao terminar, arrumei minhas coisas em uma mala, peguei o envelope com dinheiro e já estava caminhando em direção a saída da casa quando topei novamente com Davi tomando um copo de água.

— Vai fugir? — Ele brincou ao flagrar minha mala.

— Não — menti e coloquei minha cabeça para pensar e inventar qualquer desculpa. — Eu tive insônia e pensei em separar algumas roupas para doar aos missionários. Vou deixar essa mala na garagem, assim o pai não vai precisar fazer tanto esforço no domingo. Você sabe como as costas dele travam com qualquer peso.

Ensina-me amarWhere stories live. Discover now