Quinze: Medo

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— Sarah? Sarah, querida acorde. — Eu ouvia uma voz abafada como se ainda estivesse sonhando.

Abri os olhos lentamente, buscando me adaptar a claridade vinda de uma brecha da porta no quarto. Da cama onde eu me encontrava envolta em uma montanha de cobertas, avistei Mabel sentada e agarrada às grades do berço enquanto soltava alguns gritos agudos, aquelas eram suas mais novas façanhas.

— Ande, Sarah! Levante! Tem alguém aí querendo vê-la — ouvi a voz mais clara dessa vez e quando ergui a cabeça em direção a entrada do cômodo, flagrei dona Sô sorrindo abertamente em minha direção.

Sentei-me e ao observar o relógio notei ser ainda muito cedo e considerei seriamente os famosos cinco minutinhos de sono a mais.

— Posso entrar? — ela perguntou.

— Claro — eu murmurei em meio a um longo bocejo.

A senhorinha entrou e eu me levantei e fui retirar Mabel do berço. Quando a peguei no colo lembrei instantaneamente de um compromisso importantíssimo marcado para aquele com Victor. Orei ao Senhor, pois eu não me sentia preparada para o que estava por vir e sequer havia conseguido dormir direito, tendo a mente perturbada por variados pensamentos ruins.

— Josué está aí — dona Socorro informou com um tom meio sugestivo. Foi uma surpresa quando, no dia anterior, eu levei Victor até o portão, voltei para o casarão e fui alvo de várias piadinhas, todas tendo como tema principal uma possível relação entre o Coelho e eu ou o fato de termos conversado muito no passeio da chácara. Eu reforçava o fato de ter meu coração fechado para o amor, mas mesmo assim ninguém me deixava em paz, e até mesmo dona Socorro começou a gostar da ideia. — É uma boa notícia, certo? 

— Sim, é bom Josué ter vindo — comentei e não podia negar o grande alívio me acometendo. Pelo menos eu teria mais algum tempo antes de encarar Victor. — Aliás, por que veio assim tão cedo assim? — questionei desconfiada e peguei roupas quentinhas a fim de agasalhar Mabel.

— Bem, ele veio me trazer alguns mantimentos do mercado para o café da manhã — explicou me lançando um olhar curioso. — Mas, pela sua cara, a notícia parece tão boa assim

— Não é isso, dona Sô. Eu não dormi bem e estou cansada — comentei tentando disfarçar minha angústia, porque na verdade eu estava mesmo esperando por Victor. 

Aliás, pensar nele como pai de Mabel não me era nada agradável, mas naquele instante, apesar do desconforto eu estava ao menos disposta a retratar alguns de meus erros do passado e dar uma chance para ele tentar se aproximar da bebê.

— Sabe, meu sobrinho Josué é um amor. Não entendo porque ele ainda não se casou. É um rapaz cristão tão amável, trabalhador, honesto e ainda ama crianças — dona Sô interrompeu meus pensamentos para fazer a maior propaganda de seu parente. — Ele é um gato, e não é porque é da minha família não, hein.

— Não faltou mais nenhum adjetivo nessa sua listinha interminável? — perguntei segurando o riso. — Ele pode ser tudo isso, mas eu o conheço apenas há um dia.

— Quando você o conhecer melhor vai entender como ele poderia ser um ótimo mari...

— Não termine — interrompi apontando meu dedo indicador na direção dela. — Estou bem assim, dona Sô. Eu só quero ser uma boa mãe pra Maria

A senhorinha pensou um pouco e sem nem pedir licença foi andando para fora do cômodo. — O doutor Victor também veio com o Josué, Sarinha — ela avisou quando já estava no corredor.

Senti o coração palpitar no mesmo instante e sem pensar direito, eu mandei dona Sô avisar que eu estava descendo.  Aproveitei aquele momento para ter uma conversa com minha pequenina.

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