Seis: Nova Vida

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— Tomaram um banho quentinho, queridas? — dona Socorro perguntou depois de bater na porta e pedir permissão para entrar no quarto momentaneamente disponibilizado por ela a mim e minha filha.

— Sim, Mabel agora está se deliciando com a papinha de frutas que a senhora preparou pra ela — respondi animada e fiz o famoso aviãozinho para levar a colher com comida até a boca da pequena bochechuda em meu colo.

A senhora me encarou e questionou: — E você, mãezinha não vai comer nada? Já passa das duas da tarde e a senhorita não se animou em participar do almoço.

Dei uma risadinha. — A correria não me deu um segundo de pausa. Mas, não se preocupe, daqui a pouco Mabel começa a fazer bagunça ao invés de comer e eu me beneficio com o resto. 

— Ora, até parece — falou em um tom de indignação engraçado e em seguida mostrou para mim uma sacola até então escondida por ela — Se sua desculpa para não se alimentar é porque não quer sair do quarto, eu trouxe um sanduíche fresquinho e suco de maracujá.

Agradecida por todo aquele cuidado, expressei: — É muita gentileza sua, dona Socorro. Pode deixar sobre a mesa. Quando eu conseguir distrair essa mocinha, vou comer, esteja certa disso.

— Tudo bem! Te farei companhia, então — declarou após atender minhas instruções. Ela então se aproximou e comentou tendo no rosto um sorriso repleto de carinho: — Graças a Deus você entrou na igreja Sarah. Foi Ele quem permitiu nosso reencontro, tenho certeza.

Mesmo estando ainda um pouco chateada com o Senhor, eu não podia negar que ter entrado justamente na igreja a qual Dona Socorro congregava não era uma simples coincidência ou obra do acaso. As circunstâncias podiam não ser as melhores para mim e a bebê, mas Deus permanecia se mostrando um Pai zeloso e fiel.

— Sou muito grata por ter me trazido para esse lugar, mas prometo resolver minha vida e sair daqui o mais rápido possível — falei e ao notar o semblante da senhora a minha frente ficando triste, me adiantei: — Não quero dar trabalho, Dona Socorro.

Ela ergueu o braço em minha direção e acariciou meu ombro. — Sarah, querida, pode ficar o tempo necessário. O Instituto Piedade foi criado para acolher e cuidar de mulheres em situação de fragilidade como a sua. Você é muito bem-vinda e não precisa de pressa para partir.

Irredutível, e lembrando das palavras outrora proferidas por Tatiana, declarei: — Ficarei aqui só hoje. Não quero ser uma pobre coitada como as pessoas me enxergam.

Ela balançou a cabeça negativamente.— Querida, ninguém aqui pensa isso de você...

— Não, eu agradeço, mas sei muito bem o qual será o falatório se eu permanecer aqui. — Fiz uma pausa e recitei algumas das fofocas já ouvidas por mim: — "Sarah não sabe cuidar da própria filha" "Ela é uma péssima mãe" "Não consegue nem tomar conta de si mesma, quanto mais de uma criança" "Vive da caridade alheia".

A senhora tomou ar e revelou: — O problema não é esse, Sarah. Estou pensando na sua proteção. Depois de ter me contado todos os ocorridos com aquela mulher, não acha melhor esperar até ser seguro sair daqui?

Pensar em Raquel fez meu coração acelerar de medo. Eu já vislumbrava, apavorada, a cena onde aquela víbora tomava meu maior bem de mim para fazer sabe-se-lá o que. Naquele instante eu engoli seco e me vi como uma mãe terrível. Eu nem mesmo conseguia proteger minha filha indefesa dos perigos do mundo e da maldade das pessoas sem depender da ajuda e compaixão de estranhos.

Deixei Mabel sobre a cama, pois quando percebi a real gravidade da situação, eu não me segurei e comecei a chorar desesperadamente.—  Dona Socorro, eu não sei o que fazer! — confessei. — Queria levar minha filha pra longe dessa cidade, mas meu dinheiro acabou e eu sequer posso arrumar um emprego porque aquela cobra não vai permitir. Estou acabada, e ainda por cima corro o risco de levarem minha bebê.

Ensina-me amarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora