Vinte e Quatro: Sufoco

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Depois de tanta agitação passando na casa de um e outro, preparando lanches, comprando artigos de banho, nos arrumando e fazendo o mesmo com crianças, finalmente conseguimos aproveitar as graças do famoso ponto turístico de Nova Canaã.

O rio Sião realmente fez jus aos relatos de seu esplendor. As águas eram cristalinas e corriam velozes em uma direção específica, a areia ainda se mostrava úmida devido a chuva do dia anterior, mas o sol brilhando e aquecendo nossas cabeças não demoraria a secá-la. Minha alma se encheu de gratidão a Deus por contemplar tamanha beleza e a correria para chegar naquele lugar realmente valeu a pena.

— E exatamente por isso eu jamais me casaria com um pastor. Não saberia lidar muito bem com pessoas ligando pra ele no meio madrugada — expressei, torcendo o nariz quando Marissol relatou a pouca disponibilidade do marido para passeios como aquele ao qual fazíamos. — Meu pai também é pastor e sei o quanto exigem desses pobres coitados.

Sol e eu estávamos sentadas sob uma toalha de praia conversando e olhando as crianças, no caso Mabel e Nina, ambas estavam envolvidas numa brincadeira divertida, onde a menina mais velha ensinava a mais nova a empilhar areia e não comê-la. Minha filha parecia uma mocinha usando uma blusa UV de mangas longas floridas e um chapéu branco. Na verdade, todas nós achamos divertida a ideia de combinarmos os trajes na hora de comprar, e estávamos parecendo pares de vaso.

— Você diz como se um médico tivesse todo tempo livre do mundo — ironizou Sol e sugou a água do coco ao qual tomava através de um canudo fino. — Apolo costuma passar mais tempo em casa, mas precisa ficar estudando no escritório e também estar disponível a todo momento. E só agora começo a me acostumar com a ideia de não tê-lo só pra mim.

Dei de ombros, sem saber se concordava ou não com os argumentos dela.

— Bem, Victor e eu somos apenas como irmãos em Cristo. Então eu não preciso me preocupar tanto com isso — declarei sem muita convicção e Sol deu uma risadinha. — O que foi?

Ela me olhou de um jeito investigativo e coçou a cabeça.

— Vocês deviam se casar logo, claramente se amam — declarou e não foi preciso muito para perceber que Marissol era direta como uma faca afiada. — É sério! Os dois são cristãos, tem um passado e uma filha. Arrumem uma aliança e acabem logo com isso.

Precisei disfarçar meu desconforto e fiz isso encarando o ponto mais distante do horizonte.

— Dizendo assim parece fácil, Sol. Eu tenho problemas de confiança — admiti, sentindo um nó se formar na garganta. — Principalmente quando o assunto é Victor. Não sei se você entende...

Sol transpassou seu braço ao redor dos meus ombros, dando-me um abraço gentil.

— Se entendo. Sofri muito para perdoar pessoas que me machucaram e confiar nelas novamente. Mas sabe, perdoar é dar a cara a tapa e correr o risco de se machucar novamente. Homens e mulheres são pecadores e somente Deus é completamente confiável, por isso Jesus insistiu tanto em ensinar sobre perdoar. Entretanto, se Victor ama a Deus como tem afirmado e demonstrado amar, ele vai se esforçar para cumprir os papéis dele em relação a você e a Maria Isabel. E se errar demonstrará arrependimento — aconselhou sabiamente. — Ore ao Senhor, Ele não deixa seus filhos sem resposta.

Eu inspirei profundamente sentindo uma pontada no peito.

— Já o perdoei, mas não sei, talvez não seja uma ideia boa transpor a barreira da amizade outra vez. — Soltei a rajada de ar pela boca e juntei minhas pernas ao corpo, deitando a cabeça sobre os joelhos. — Seria tão mais fácil se tivéssemos feito as coisas certas.

Ensina-me amarWhere stories live. Discover now