Vinte e Sete: Temores

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- Estamos atrasados, Coelho. Você não é policial? Dirija mais rápido! - mandei cutucando o braço dele.

O motorista abaixou seu óculos escuro, encarou o retrovisor e franziu seus olhos para mim.

- Eu não seria um exemplo de delegado se quebrasse leis de trânsito só porque a senhorita enrolou demais para se arrumar - respondeu e se concentrou em fazer uma curva. - Então relaxe seu coração.

Cruzei os braços e mantive um bico no rosto para mostrar a ele minha chateação.

- Você não precisava falar assim comigo - choraminguei como um gato faminto. - Aliás, fazem dois dias que você vem me tratando assim, isso desde a confusão com Luana.

- Assim? Assim como, criatura? - questionou um pouco impaciente.

Virei meu queixo em direção à janela e me recusei a falar durante o primeiro minuto, o que deixou meu amigo ainda mais irritadiço.

- Desembucha, Sarah! - mandou e aproveitou o sinal vermelho de um farol para virar-se em minha direção, repetindo sua fala até conseguir total atenção novamente.

- Esse seu jeito de me olhar como se eu fosse um ser-humano terrível e... - Parei de tagarelar quando notei o sorriso besta se formando nos lábios dele. - Deixa pra lá. Você é muito bruto.

Ele fez uma careta engraçada e acabou por levar a risada.

- Está sensível hoje, Rodrigues? - provocou com um tom de zombaria.

Soltei o ar pela boca em uma rajada longa de ar, aproveitei a proximidade e dei-lhe um soco no braço forte dele.

- Estou, seu ogro - confessei e encarei minha ovelhinha bochechuda dormindo profundamente na cadeirinha. - Levar Mabel para tomar vacina me deixa sobre muita pressão. Já imagino como ela ficará irritada, chorosa, temo alguma possível reação e ainda preciso me preocupar com o jeito com o qual você me olha.

Ele deu risada e balançou a cabeça negativamente como se não acreditasse em meu pequeno surto.

- Pois fique tranquila e pare de criar paranoias em sua mente. Eu não estou te olhando de jeito algum - garantiu e antes de ajustar-se no banco acariciou a barriguinha de Mabel, fazendo-a se mexer um pouco. - Mulheres... Umas sentem demais - olhou de soslaio para mim e fez o mesmo com a bebê -, e outras de menos.

Depois disso Coelho ficou quieto, se concentrando nas ruas movimentadas de Santa Fé, enquanto eu, para me distrair durante os momentos restantes de percurso, peguei meu celular e abri em uma rede social. Antes de deixar a cidade, eu simplesmente havia apagado meu perfil de todas as páginas possíveis da internet. Contudo, no dia anterior uma curiosidade enorme, que há tempos eu vinha suprimindo, me acometeu, por isso resolvi voltar á ativa. Procurei inicialmente por antigas amigas da escola e aquelas com quem mantive contato durante meus meses de universitária na faculdade e me surpreendi ao notar como muitas delas estavam, sem dúvida, em uma situação muito melhor do que a minha. Depois fui a caça dos membros da minha antiga igreja e foi um grande choque constatar o número de fotos onde Victor e Josué apareciam ao lado de outros membros com quem cresci. Por fim, cheguei ao perfil dos meus dois irmãos mais velhos e acabei por ceder a minha vontade de saber como todos estavam. Um nó se formou na garganta quando reparei nas muitas lembranças gravadas na galeria de Jonas e Davi, retratando os tempos quando eu era apenas uma menina brincando de boneca com meu pai no quintal de casa, as festas de aniversário, as cantatas, viagens e muito mais. Tudo aquilo aumentou a saudade em meu peito e me fez desejar voltar no tempo, só assim eu seria possível consertar todas as minhas burrices com aqueles a quem eu tanto feri com minha fuga inexplicada.

- E você chegou ao seu destino - Josué imitou a voz da mulher do GPS e me arrancou da minha bolha de distração virtual enquanto fazia a baliza em frente ao posto de saúde.,

- Obrigada por me trazer. Pretende entrar conosco? - questionei e me empenhei em desprender Mabel com cuidado de seu assento especial. - Eu não sei se Victor vai conseguir chegar, ele prometeu vir, mas sabendo como é o emprego dele, eu não me surpreenderia se não conseguisse chegar a tempo.

- Sim, pretendo entrar e dar apoio a essa pobre menininha injustiçada. - Ele fez uma cara triste quando viu minha filha resmungando, ameaçando chorar a qualquer instante por ter sido despertada de seu sono da beleza. - Oh, tadinha dela. Vem com o tio. - Estendeu os braços e pegou a menininha de meu colo com uma agilidade surpreendente e a acolheu a fim de impedir qualquer drama da parte dela. - Vamos lá, meninas?

Todo corajoso, ele saiu do carro e eu, é claro, o acompanhei. Antes de entrarmos na Unidade Básica de Saúde, fui obrigada a espera-lo fechar o veículo e pegar todos os seus pertences.

- Olha lá, quem está chegando. - Apontou Coelho para um ponto distante da rua e, a princípio, por estar conferindo se havia trago todos os documentos da bebê, não me importei muito com suas cenas. - Isso mesmo, seu papai! - contou todo animado para a bebê.

O mencionar daquela pequena palavra chamou meu foco imediato, por isso virei meu corpo na direção indicada no mesmo instante e eu teria sido mais feliz se não tivesse olhado, pois não gostei nem um pouco da cena com a qual me deparei.

Victor se aproximava andando devagar ao lado de uma mulher extremamente bonita e estranhamente familiar. Os dois riam de alguma coisa e trocavam alguns olhares os quais eu não podia dizer com certeza se eram totalmente ausentes de sentimentos. E por falar em sentimentos, a pontada em meu coração e o gosto amargo na boca, denunciaram os meus.

- Aquela não é a mulher daquela padaria perto do instituto? - sondei e aflita comecei a balançar minha perna freneticamente.

Quando voltei para Santa Fé e estive com Victor pela primeira vez, os dois já aparentavam se conhecer, mas naquele momento em questão havia algo diferente, principalmente na mulher. Sua aparência se mostrava mais modesta e comportada, seu rosto parecia até mais limpo sem todos aqueles cosméticos e nem por isso ela deixou de demonstrar uma beleza estonteante. Para piorar minha condição, ela e o médico ao seu lado possuíam uma química sem igual e combinavam muito.

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