Dezoito: liberdade

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A todo instante eu fincava meu olhar nos ponteiros do relógio central. Aquela demora estava me deixando apreensiva, e se algo desse errado?

— Vai fugir? — Rosie balbucia ao meu lado enquanto bebe algo em uma taça. A encaro assustada.

— Co-Como? — falo nervosa.

— Você não sai do canto e olha a todo instante para o relógio. Mamãe acha que você não gostou da festa que deu tanto trabalho para organizar. — comenta em um tom brincalhão. Forço um sorriso e tento não parecer aliviada, por um momento achei que tudo iria por água a baixo.

— Diga a Lady Margaret que está tudo maravilhoso — faço uma pausa — você sabe que não gosto de festas, Rosie. Especialmente quando sou o motivo delas. — observo ao nosso redor.

— Bobagem! Venha, vamos dançar — me puxa pelo pulso e nos mistura com a multidão de pessoas que dançam animadamente no salão principal. Sorrio quando a vejo levantar a barra do vestido para bater os pés e rodar. Suponho que o líquido que estava bebendo outrora era algo alcoólico, pois Rosie nunca dançaria desse jeito se estivesse sóbria. A imito na dança enquanto alguns homens ao nosso redor batem palmas junto a melodia da música. Jade e Dulce chegam para se juntarem a nós, brincamos de ciranda no meio da dança enquanto rimos. Logo nos tornamos o centro das atenções, algumas pessoas riam animadas e outras - as mais tradicionais - falavam da nossa falta de classe por dançar de tal modo.

— Desculpem interromper, Altezas, mas o Rei mandou chamá-las. Está na hora do anúncio. — Lady Margaret nos informa, fazendo meu coração bater mais rápido. Estava na hora.

Aproveito a distração do público, que se encaminha para sala dos tronos, para desviar por um dos corredores.

— Anabela, para onde está indo? — Rosie pergunta por cima de todo o barulho. Faço um sinal de que preciso beber algo, ela assente e eu me afasto. Aproveito o alvoroço de alguns criados para passar despercebida pelas escadas laterais. Ao chegar no andar em que meus aposentos ficam, tratei de retirar os meus saltos para que não chamasse a atenção dos guardas que fazem suas rondas.

Papai deveria estar fazendo o grande anúncio e eu precisava ser ágil para que não dessem por minha falta antes da hora certa. Troquei minhas vestimentas o mais rápido que consegui, peguei a trouxa escondida embaixo da cama e soltei meu cabelo. Em passos largos caminhei até a cozinha, onde todos pareciam muito ocupados para notar que um rosto real estava no local errado. Passei pelas portas do fundo com facilidade, difícil seria passar pelos guardas no portão de ferro. Quando me preparo para correr até os estábulos, uma voz me chama. Sinto meu corpo congelar.

— Anabela? — viro os meus calcanhares. Encaro Dulce que carrega uma expressão confusa.

— O que está fazendo aqui? — pergunto e a vejo gaguejar — Deixe-me adivinhar, vai se encontrar com o Benjamim? — arqueio uma sobrancelha.

— O quê? — arregala os olhos.

— Não se preocupe, eu já sei de tudo. Afinal, vocês não foram tão discretos quanto imaginavam — sorrio sarcástica.

— Anabela, eu sinto muitíssimo! Por favor, não conte ao...— a interrompo.

— Tudo bem, Dulce, é para não atrapalhar você que vou embora. Você estava certa quando disse a ele que eu não estava preparada para ser rainha. Eu não quero ser rainha e nem me casar com um estranho. — desabafo.

— É por isso que está vestida assim? Anabela, não cometa essa loucura. — suplica. Escuto o murmurinho vindo do salão, perceberam que algo está errado.

— Vai ser o melhor para todos — afirmo enquanto me afasto.

— Anabela...— tenta falar, mas eu não a escuto. Estou ocupada demais colocando uma cela em um dos cavalos e montando nele. Guardo a trouxa que trouxe comigo e saio dos estábulos.

Vejo os guardas rondarem pelos camponeses. Eu demorei demais.

— Pensa, Anabela! — bato levemente a minha mão em minha cabeça enquanto observo ao meu redor. Uma ideia surge em minha cabeça. Saio do cavalo e me agacho perto do jardim, pego um pouco de terra e melo meu rosto junto aos meus braços. Ninguém poderia me barrar, se não me reconhecessem. Aproveito para sujar um pouco o meu cavalo que nos ajudou ao pisar na lama e deixar suas ferraduras cobertas.

Monto novamente nele e avanço até a saída. Era agora ou nunca.
Um soldado me para antes de abrir o portão.

— Por favor, senhor, recebi a notícia de que meu pai faleceu agora há pouco — forço uma voz preocupada. Eu estou morrendo de medo, na verdade.

— O que tem dentro da bolsa? — aponta para o pano pendurado na cela. Puxo de lá uma maçã e o mostro.

— Vai ser uma longa viagem, meu cavalo e eu precisamos nos alimentar —  e era verdade. Ele semicerra os olhos e faço cara de coitada, pendendo a cabeça para o meu ombro direito.

— Tudo bem — ele acena para outro soldado em uma das torres no grande muro que trabalha junto à outros para que o portão suba. Quando o mesmo sobe o suficiente para que eu passe, avanço o mais rápido que posso.

E sentindo a brisa gélida dessa noite eu posso afirmar, eu estou livre!

AgainstWhere stories live. Discover now