Quarenta e seis: Trono.

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Um mês depois...

Me encarei no reflexo do espelho do meu quarto que ia do teto até o chão. Eu estava em cima de saltos altos dourados e tinha alguns criados que me rondavam ajeitando os últimos detalhes do vestido, do penteado e da maquiagem.

— Está tudo bem, Alteza? — Marta, a minha criada particular, perguntou cautelosa. Respirei fundo.

— Está tudo ótimo. Não se preocupe. — eu sorri falsamente.

Não, eu não estou nada bem. Meu pai havia morrido há pouco tempo e eu estava prestes a receber a coroa que me permitiria governar um país inteiro. Sozinha. Como, diabos, eu poderia estar bem?

— Com licença...— Henry disse, entrando no meu quarto e acabou por parar de falar ao me observar de costas. Ele parecia ter perdido a linha de raciocínio e seus olhos estavam levemente arregalados.

— Deixem-nos — eu ordenei com um levantar de mão e todos os criados me obedeceram, nos deixando sozinhos.

wow, você está...— ele não conseguiu terminar a frase novamente e eu me virei para encará-lo.

— Exagerada? Com jóias demais? — eu olhei para o meu próprio corpo, desconfortável com tudo aquilo.

— Perfeita — ele sussurrou, fazendo minhas bochechas atoladas de pó de arroz ficarem da cor do meu cabelo, que estava devidamente arrumado com duas mechas presas formando uma base para a coroa e o restante dele solto em grandes cachos.

Eu trajava um vestido de alças que brincava com os tons azuis, prateados e dourados. No meu ouvido, brincos de diamante e, em meu pescoço, uma gargantilha prateada segurando um pequeno diamante muito bem lapidado.

— Você também não está nada mal — eu o elogiei, sorrindo.

Henry, ao contrário do usual, trajava um terno azul marinho e o seu cabelo estava devidamente penteado para trás.

Não consegui sustentar meu sorriso por muito tempo, que logo foi trocado por uma expressão séria e preocupada.

— Ei! O que foi? — ele perguntou com a testa franzida e se aproximou de mim.

— Eu não sei — eu deixei que meus ombros caíssem e que minha postura não ficasse mais tão ereta quando sentei na minha cama — Mesmo depois de tudo o que passei e tudo o que fiz, eu não sei se estou pronta para fazer isso — me referi ao fato de ser rainha. Henry sentou ao meu lado e pegou as minhas mãos.

— Bela, se alguém está preparado para governar um reino, esse alguém é você. O povo que te aguarda lá fora, sabe disso tanto quanto eu. Eles te amam e vão te seguir, não pela sua coroa, mas por quem você é. Você é a pessoa mais forte que eu já conheci e será uma grande rainha por sempre escutar o que está aqui dentro — ele apontou para o meu peito e eu o abracei.

— Obrigada por estar aqui — eu sussurrei e ele se afastou um pouco para por a mão em meu rosto. Henry massageou a minha bochecha com o seu polegar e encarou os meus lábios que estavam entreabertos para que eu conseguisse respirar direito.

— Filha? — minha mãe chamou, entrando no quarto e quebrando o transe em que estávamos — Oh, graças a Deus, você está aqui! Quando ninguém soube dizer onde estava, eu pensei que talvez...— ela não completou o seu pensamento, mas eu sabia o que ela temia.

— Eu não vou fugir das minhas obrigações, mamãe. Não desta vez. — eu garanti, a tranquilizando e me pus de pé — Agora, se me der licença...— eu tirei o colar brilhante que apertava a minha garganta — isso está me apertando — eu os depositei dentro da caixinha — isso está pesando — eu tirei os brincos e também os depositei dentro da caixinha — e isso aqui está me incomodando — eu retirei os saltos e os joguei em cima da cama. Bem melhor. — Agora sim, estou pronta! — sorri com a expressão engraçada que a minha mãe fazia de incredulidade.

— Quase pronta — Henry me corrigiu e pegou algo do bolso de sua calça de tecido — se me permite — ele mostrou o colar que eu sempre carregava comigo, mas que achei nunca ver novamente.

— Eu pensei que tivesse perdido na batalha! — exclamei, surpresa, e levantei meu cabelo para que Henry pudesse prender a corrente dourada com o pingente de sol.

— Eu achei quando estava ajudando os guardas e guardei para te dar, mas acabei esquecendo — ele confessou e se pôs em minha frente.

— Vamos avisar que você está pronta, querida — mamãe disse e se aproximou para beijar minha testa — eu estou orgulhosa de você e tenho certeza que seu pai também está, seja lá onde ele estiver! — ela murmurou e enxugou o canto dos olhos marejados — Me acompanha, Henry? — ela deu seu braço para ele.

— Com todo prazer, Majestade — ele a segurou e piscou para mim, saindo dos meus aposentos.

(...)

Escutei o som das cornetas em harmonia.

— Senhoras e senhores, Anabela Williams, a futura rainha da Inglaterra! — um guarda anunciou e as portas da sala dos tronos foram abertas.

Eu dei os primeiros passos de cabeça erguida, tendo noção que os nobres e os convidados da corte me observavam atentamente, esperando um simples erro. Alguns cochicharam ao perceberem meus pés descalços e a falta de joias em meu corpo.

Quando cheguei perto do pequeno altar onde estava o trono, me ajoelhei como mandava o protocolo em frente ao Papa que me aguardava com um frasco de óleo em mãos. Ele melou um pouco a minha testa com um sinal de cruz e trouxe a Bíblia sagrada, onde eu pus minha mão direita sobre.

— Eu, Anabela Williams, prometo ouvir o meu chamado divino e governar o meu país com discernimento e sabedoria. Prometo ser justa e honrar os meus antepassados. Prometo ser fiel ao meu povo, ao meu país, às leis dele, à sua igreja e à minha coroa. — fiz o juramento e me levantei, subindo no altar e virando de costas para o trono.

Um serviçal do papa se aproximou e colocou em minhas costas o manto dourado, outro trouxe o cetro com a cruz e a haste com a pomba, colocando-os em minhas mãos direita e esquerda sequencialmente.

O Papa, então, levantou a coroa feita de puro ouro em direção ao céu e finalmente pôs em minha cabeça. O peso do mundo parecia estar ali agora.

— Deus salve a rainha! — ele disse em alto e bom tom.

— Deus salve a rainha! — todos o imitaram em uníssono e se curvaram perante a mim. Então, finalmente, me sentei ao trono que era de meu pai e agora era meu. Meu trono.

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