01. olá, papai

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DAMIAN

Pela oitava vez na noite Irina crispou os lábios e apertou a pequena bolsa negra que trazia sobre o colo. Damian permaneceu em silêncio, as costas coladas ao banco de couro rasgado do táxi que os levava para casa. Se não fosse pela música de Whitney Houston tocando no rádio e alguns penduricalhos chacoalhando no espelho retrovisor do sedã que cheirava a sândalo barato e fast food, tudo estaria no mais completo silêncio.

O motorista, um tipo barbudo e sorridente, meio indiano, parou em frente ao apartamento de Damian. Antes que o indiano pudesse dizer o valor da corrida, Irina desceu do táxi, deixando a porta aberta. Com um suspiro resignado, Damian esticou trinta pratas ao motorista e desceu, espreguiçando-se na calçada enquanto observava o carro e a voz de Whitney Houston dobrarem a rua.

A noite estava estranhamente fria para o mês de julho. Damian olhou para os dois lados e se encaminhou ao apartamento com o mesmo passo do homem que vai de encontro à forca. Com os ombros curvados, ele abriu a porta de número 302 e suspirou ao ver Irina parada no meio da sala de estar, as mãos na cintura e os lábios vermelhos crispados. Outra vez. Alguém não vai transar hoje à noite, pensou ele.

Por mais esquisito que fosse, Damian não se entristeceu com o pensamento. Transar com Irina não estava em sua lista de prioridades e vontades há mais de dois meses. Ele fechou a porta do apartamento, deixando a chave numa pequena vasilha, e esperou pelo o que inevitavelmente viria.

— Você foi um idiota — disse ela.

Com os ombros curvados, Damian pegou uma cerveja na geladeira. Irina, estaqueada no centro da sala, cruzou os braços. Cansado daquelas discussões imbecis que nunca levavam a nada, Damian tomou um grande gole de cerveja, observando de relance a aliança de noivado que trazia na mão direita. No silêncio breve que se seguiu, pensou em pelo menos cinquenta maneiras de fazer Irina engolir a aliança. Quando ela pigarreou, clamando por atenção, Damian encarou a noiva.

— O que você queria que eu fizesse? — retrucou ele, franzindo as sobrancelhas. — Seus amigos idiotas fazem piadinhas o tempo inteiro e não gostam de ouvir respostas? Não tenho sangue de barata.

— Você sempre faz isso, Damian. Sempre. Andrew estava brincando com você, e...

Ela desatou a falar, mas ele escolheu não ouvir. Ah, as delícias de ser possuidor de uma audição seletiva.

Enquanto bebia a cerveja, Damian pensou em Andrew Smith, um dos inúmeros amigos babacas de Irina, e em suas piadinhas irritantes. Sempre com aquelas roupas arrumadinhas de advogado metido e cabelos lambidos, Andrew era o único que realmente o tirava do sério. As piadas dele sobre a profissão de Damian — eu pensei que direção de arte fosse um campo mais... feminino, amigão. Espere, você precisa estudar para ser publicitário? — nunca falhavam em arrancar um sorrisinho sem graça de Damian nos happy hours que Irina insistia em marcar.

Ele odiava os amigos dela. Advogados metidos que viviam a vida como se estivessem numa maldita série de televisão, bebendo drinks coloridos e rindo mais alto do que o necessário. Damian sempre recebera as piadinhas com a paciência digna de um ser de luz, mas naquela noite não aguentara muito tempo. Para tudo na vida havia limite.

— ...você mandou Andrew enrolar os processos e enfiá-los no rabo, Damian! Pelo amor de Deus! — esganiçou-se ela. Ele sentiu uma pontinha de sorriso comichar no canto dos lábios, porém se manteve sério. Irina semicerrou os olhos. — Quantos anos você tem? Cinco?

Damian soltou um muxoxo e jogou a garrafa de cerveja no lixo. Ele odiava quando Irina bancava a adulta nas discussões, a mulher superior e sensata que nunca mandava ninguém enfiar as coisas no próprio rabo. Os dois ficaram em silêncio, ouvindo sirenes de bombeiro se afastarem. Irina suspirou, ainda com os lábios crispados, e ergueu as mãos.

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