31. novas escolhas

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MARIA

Quando a mãe delas ainda era viva, havia um ditado antigo que raramente deixava sua boca: "Coisas ruins acontecem por um bom motivo, meninas."

A mãe, toscana de nascença e otimista de carteirinha — traço de personalidade que se esquecera de repassar a Maria no útero —, repetia o ditado sempre que necessário, fosse a situação um coração partido de Lara por um namorico qualquer ou uma nota baixa de Maria na escola.

Depois da morte dela, decorrente de um câncer descoberto em estágio avançado, Maria ainda repetia o ditado quando as coisas ficavam ruins de verdade. Era a sua maneira de invocar a mãe, seus conselhos e sabedoria inegáveis.

Há doze anos, quando desembarcaram no porto de Manhattan com nada além de poucas roupas e um medo sufocante dentro das malas, Maria só pensava na polícia. Se fossem pegas e deportadas, seria por um bom motivo. Coisas ruins aconteciam por um bom motivo. A mãe delas não poderia estar errada.

Não foram pegas naquela noite, mas o ditado nunca abandonou os pensamentos de Maria. Ultimamente, ela pensava mais do que o necessário na porcaria do ditado. Quando as merdas aconteciam sem trégua, era nas palavras da mãe aonde Maria se refugiava, como a criança que deixa uma luz acesa por medo do escuro da noite.

"Coisas ruins acontecem por um bom motivo" foi o que Maria pensou quando Lara a arrastou para o quarto do motel vagabundo em Miami e contou, com a voz falhada e as mãos trêmulas, que havia perdido o bico de garçonete no pub do Sr. Lee e que seu emprego de caixa no mercado do Sr. Mills estava por um fio.

Maria se refugiou no ditado da mãe quando Lara, esfregando o nariz e secando as lágrimas com as costas das mãos, confessara que planejava morar com Gérard na Flórida porque não poderia mais se sustentar, que ele era sua única opção, a única opção delas. Enquanto ouvia e pensava no ditado, Maria se arrependeu amargamente de não ter chutado a virilha daquele miserável. Pelo menos tinha os mil paus que pegara dele socados na mochila.

Mas havia o lado bom do ditado, também. Quando Damian parou o carro na praia e as meninas sorriram, Maria entendeu o que a mãe queria dizer. Mesmo que o sol não tivesse aparecido nenhuma vez enquanto brincavam na areia, chutando a água do mar para longe, coisas ruins aconteciam por um bom motivo.

Quando seguiram viagem, aquela pequena hora de alegria na praia foi esvaindo-se a cada carro que passava por eles na rodovia. Na mesma noite, naquele motel frio da Georgia, Maria se agarrou ao ditado — e às conversas que tinha com Will por mensagem e ao vivo — como uma pedra de salvação.

À noite, tão logo as gêmeas fecharam os olhos e tudo era silêncio, Lara ruiu, chorando baixinho para não atrapalhar o sono das filhas e, por tabela, o de Maria e Amy, que dormia encolhida na cama de solteiro. A cena partiu o coração de Maria, que virada no sofá, fechou os olhos com força e fingiu não ouvir. "Coisas ruins acontecem por um bom motivo" foi o que ela repetiu até adormecer.

Na terça-feira o clima no carro começou a melhorar, mas as histórias e piadas não surtiam o mesmo efeito das anteriores. Até as gêmeas sentiam que algo não ia bem, vendo na mãe uma companheira de brincadeiras que não se entregava como antes. Era como se nenhum deles tivesse vontade de sorrir.

E para completar, para adicionar a cerejinha no topo do bolo de desgraça, o sentimento de que alguma merda aconteceria se grudou no fundo da garganta de Maria. Fazia uma bela tarde de quarta-feira naquele posto de gasolina em Jersey, mas isso não importava. O sentimento fazia questão de deixar tudo nublado.

Sentada sozinha na minivan, Maria observou Lara agarrar-se ao telefone público do posto enquanto as gêmeas brincavam com Damian e Will na loja de conveniência. Ela roeu a unha do polegar, incapaz de desviar os pensamentos do que aquela ligação poderia significar. Não vai ser nada. A gente não pode perder mais essa.

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